A crise na moda de luxo já teve efeitos colaterais na Gucci, Chanel e Dior, as principais casas em remodelação numa tentativa de reacender o ímpeto dos consumidores. Enquanto procuram pela novidade, a mudança na direcção criativa tem de ser feita com cuidado sob risco de afastar alguns consumidores mais tradicionais (e mais abastados).
O mercado global de bens de luxo, no valor de 363 mil milhões de euros, enfrenta as taxas de vendas mais baixas dos últimos anos, face a um abrandamento económico na China e ao aumento da inflação noutros países, o que torna os consumidores de topo mais relutantes em gastar dinheiro.
“As marcas estão mais pressionadas do que nunca para equilibrar a criatividade com a viabilidade comercial, mantendo ao mesmo tempo a relevância num mercado em constante mutação”, defende Lydia King, directora de compras do grupo britânico de lojas de luxo Liberty.
A Gucci e a Chanel estão a apostar nas estrelas em ascensão vindas de marcas mais pequenas, sendo provável que a Dior, da LVMH, siga o mesmo exemplo em breve. Os novos designers enfrentam a difícil tarefa de trazer a dose certa de renovação, com os investidores a dar-lhes pouco tempo para se estabelecerem e trazerem resultados.
O anúncio, na semana passada, de que a Gucci tinha nomeado Demna Gvasalia, ex-designer da Balenciaga, para chefiar as equipas de design, fez com que as acções da Kering caíssem mais de 10%, reduzindo em cerca de três mil milhões de euros o valor de mercado do grupo.
Numa era de directores criativos “superstar”, os designers “moldam a identidade das marcas, chegando mesmo a ofuscar a herança e o património da etiqueta”, queixa-se Jacques Roizen, da consultora DLG. Estão a redefinir “não só a direcção estética, mas também o posicionamento e a clientela das casas”, acrescenta.
Muitos analistas defendiam uma escolha mais arrojada para a Gucci, depois de dois anos da aposta de Sabato de Sarno em designs mais clássicos e elegantes, mas os investidores receiam que Demna, de 43 anos, que trouxe agitação à Balenciaga, a marca mais pequena da Kering com estilos de streetwear de luxo, possa não ser a pessoa certa.
Com a China a manter-se moderada nas suas compras, as marcas de luxo estão a depositar as esperanças no mercado dos EUA este ano, embora os sinais de incerteza económica estejam a surgir também naquele país — Bernard Arnault da LVMH disse que ia aumentar a presença do grupo por lá.
A Chanel, que é propriedade privada, está a apostar em Matthieu Blazy, de 40 anos, depois do seu sucesso na Bottega Veneta. O criador enfrenta a difícil tarefa de introduzir uma nova abordagem de design na conservadora etiqueta, supervisionada durante décadas por Karl Lagerfeld e depois pela sua colaboradora de longa data Virginie Viard, após a morte do alemão em 2019.
Desde a partida abrupta de Viard em Junho o ano passado, a Chanel tem enfatizado aqueles que são os seus ícones: laços, pérolas ou rendas e tweeds.
Desfile da Chanel na Semana da Moda de Paris
Sarah Meyssonnier/Reuters
Mudança transversal
A LVMH ainda não anunciou oficialmente a nova direcção criativa da linha masculina da Dior, depois da saída de Kim Jones em Janeiro, mas é provável que contrate em breve um novo designer — antecipa-se que seja o irlandês Jonathan Anderson. A sua saída da Loewe foi anunciada nesta segunda-feira, mas a LVMH recusou-se a comentar o futuro papel de Anderson.
Há também novos rostos numa série de marcas mais pequenas, incluindo na Celine e na Givenchy da LVMH. Em Itália, Donatella Versace, de 69 anos, está a afastar-se da Versace após quase três décadas, sendo substituída por Dario Vitale da Miu Miu.
“Os clientes já não sabem para onde ir com todo este jogo de cadeiras”, disse Yannis Ouzene, assistente de vendas de uma grande marca europeia na Avenue Montaigne em Paris, onde se encontram algumas das casas de moda mais exclusivas.
“Não me lembro de ter visto uma mudança tão significativa na liderança criativa da indústria do luxo”, concorda Achim Berg, consultor da indústria da moda e do luxo. A mudança vai varrer os estúdios, as equipas de merchandising, os departamentos de marketing e as equipas de design — mas leva tempo, não sendo provável que o impacto seja visível até ao próximo ano, acrescenta.
As marcas têm de ter cuidado para não confundir os clientes com “mudanças demasiado drásticas na linguagem estética de uma marca”, defende Federica Levato, sócia sénior da consultora Bain.
Para os compradores chineses, o “aqui e agora” do design de uma marca é mais importante do que o seu contexto histórico, ao passo que os compradores ocidentais dão “um valor significativo à continuidade da identidade de uma marca”, declara Jacques Roizen.
Para alguns, saber quem assina as colecções não é um factor decisivo. “Não me interessa quem é o designer”, afiança Stephanie Gold, uma turista americana em Paris que comprou recentemente um par de óculos Dior. “Não gosto de comprar o que toda a gente tem.”
O sector do luxo em geral — que registou uma média de crescimento anual de 10% entre 2019-2023 — deverá crescer cerca de 4% em 2025, com as vendas aos americanos a representarem mais de um terço do valor global, mais 7%, em comparação com um declínio de 1% dos chineses, com base nas estimativas do UBS.
Enquanto o mercado aguarda notícias sobre o novo director de design da Dior e a LVMH se debate com o cansaço dos compradores que assola o sector, há quem se interrogue se a mudança de design na Dior — onde também se antecipa a saída de Maria Grazia Chiuri — não deveria ter chegado mais cedo. A mudança tem de ser feita “assim que uma marca sente que o crescimento está a abrandar”, termina Abtan.
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