O Governo dos Estados Unidos cancelou ao Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa um programa que mantinha nas suas instalações um espaço de divulgação da cultura norte-americana, tendo a instituição portuguesa sido ainda questionada sobre as eventuais ligações a organizações terroristas.
O presidente do IST, Rogério Colaço, disse esta quinta-feira, 10 de Abril, à Lusa que recebeu em 5 de Março a comunicação do cancelamento, com “efeito imediato”, do programa “American Corner” e, no mesmo dia, um inquérito com “questões bastante desadequadas” sobre se o IST colaborava ou não, ou era citado ou não, em acusações ou investigações envolvendo associações terroristas, cartéis, tráfico de pessoas e droga ou grupos que promovem a imigração em massa.
“O Técnico respondeu que não iria responder ao questionário porque não se adequava a uma instituição de ensino superior pública, sujeita a escrutínio público e legal de um país democrático, membro da União Europeia”, afirmou Rogério Colaço.
Segundo o presidente do IST, a comunicação do cancelamento do programa, seguida de um questionário, cita uma determinação emanada do Departamento de Estado norte-americano.
Em Portugal, os chamados “espaços americanos” (ou american corners), financiados pelo Governo norte-americano e que a Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa descreve como “centros de informação e cultura”, são seis e funcionam todos em instituições universitárias.
Além do IST, as universidades dos Açores, Aveiro, Porto (Faculdade de Letras), Lisboa (Faculdade de Letras) e Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências e Tecnologia) têm estes espaços.
No IST, o “American Corner” funcionava há mais de dez anos e, de acordo com Rogério Colaço, promovia palestras, encontros e actividades de “divulgação e de cariz científico”. O financiamento anual rondava os 20 mil euros.
O director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), Hermenegildo Fernandes, disse à Lusa que recebeu o mesmo questionário, que o deixou estupefacto pela “dimensão do descaramento” das perguntas, nomeadamente sobre “agendas climáticas”, se a instituição tinha “contactos com partidos comunistas e socialistas” ou “relações com as Nações Unidas, República Popular da China, Irão e Rússia” e o “que fazia para preservar as mulheres das ideologias de género”.
A faculdade optou igualmente por não responder ao questionário, notando que “a sua dependência é com as políticas científicas de Portugal e da União Europeia”, adiantou o director da FLUL, sem clarificar se o programa “American Corner” foi cancelado ou não à faculdade, que tem um “espaço americano” a partilhar instalações próximas com o Instituto Confúcio, entidade oficial da China que promove a cultura e a língua do país.
Reitores consideram perguntas “intoleráveis”
O reitor da Universidade de Aveiro e presidente do Conselho de Reitores lamentou esta quinta-feira os termos da comunicação feita pela Embaixada dos Estados Unidos, condicionando a continuidade de financiamento à resposta a perguntas “intoleráveis”.
Como confirmou Paulo Jorge Ferreira, as universidades portuguesas que até agora têm beneficiado de financiamento dos EUA, através do programa “American Corner“, receberam uma inesperada comunicação da embaixada norte-americana, com a rescisão unilateral das subvenções em vigor, caso não fosse preenchido um formulário com perguntas tidas como “inadequadas”.
“O conselho de reitores discutiu o assunto e as perguntas, pela sua natureza, configuram uma intromissão intolerável na autonomia das instituições e na sua liberdade de investigação e da acção académica”, disse à Lusa.
Paulo Jorge Ferreira salienta que o programa “American Corner” “tem mais de dez anos de actividade, sem qualquer incidente, e tem sido impulsionador na comunicação da Ciência”. No caso de Aveiro, “o valor do financiamento é pequeno”, notou.
“Concedo totalmente ao financiador a legitimidade para decidir continuar ou cessar esses financiamentos, mas o que não me parece correcto é condicionar as instituições ou pedir-lhes que informem acerca de coisas que são ofensivas para a sua independência e para a sua liberdade académica”, reagiu.
Contactada a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a direcção da instituição indicou à Lusa, sem mais detalhes, que o “American Corner” é “um projecto anual que terminará em Setembro”. “Estamos a avaliar a hipótese de nos candidatarmos à continuação do projecto ou não”, acrescentou a faculdade numa breve declaração.
Das universidades do Porto e Açores não foi possível à Lusa obter esclarecimentos.
“Temos excelentes relações com todos os seis ‘american corners‘ e continuaremos a colaborar numa série de programas e iniciativas que promovam os nossos objectivos comuns”, disse a porta-voz da embaixada norte-americana em Lisboa, Marie Blanchard, sem responder directamente a uma questão da Lusa, mas enaltecendo que os espaços americanos “demonstram o poder inigualável dos Estados Unidos como líder económico e de inovação”.
A Lusa questionou a embaixada se, no seguimento dos cortes anunciados pela Administração Trump ao financiamento de universidades e agências científicas, o programa “American Corner” iria ser afectado, e em que moldes.
De acordo com o portal da Embaixada dos Estados Unidos em Portugal, os “espaços americanos” totalizam mais de 600 em mais de 140 países e estão localizados, designadamente, em universidades, centros comerciais, bibliotecas e instalações de embaixadas.
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