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Corporativismo, opacidade e atrevimento nas ECCI em tempos de Governo de gestão | Opinião

O SNS oferece cuidados domiciliários através da rede hospitalar (hospitalização domiciliária), rede de cuidados de saúde primários (unidades de saúde familiares), rede de cuidados paliativos (equipas comunitárias de suporte) e rede de cuidados continuados (equipas de cuidados continuados integrados), a funcionar paralelamente em cada ULS. Toda esta rede fragmentada funciona descoordenada e sem um modelo estratégico integrado. Por vezes, assistimos no terreno a visitas sobrepostas de várias equipas aos mesmos doentes.

No passado dia 7 de abril, foi publicada uma portaria que altera apenas uma das peças do puzzle e revoluciona as equipas de cuidados continuados integradas, conhecidas no SNS como ECCI. Este processo acontece com o Governo em funções de gestão, e sem qualquer discussão pública, sem auscultação prévia das ordens, associações e/ou sindicatos que representam as restantes profissões envolvidas além da enfermagem ou das pessoas cuidadas e seus cuidadores.

Introduz um regime de incentivos apenas para enfermeiros, e altera a definição do enquadramento e missão das ECCI. Lança toda uma confusão sobre o modelo de organização atual do SNS, incluindo nestas equipas públicos até aqui abrangidos pelas equipas de hospitalização domiciliária, de cuidados paliativos e de gestão de doentes crónicos, sem explicar como ficam as restantes equipas. Cria uma amálgama jurídica sem sequer partilhar ou fundamentar qual a visão estratégica subjacente, em tempos de campanha eleitoral.

Se tinha como finalidade uma tentativa de integração da resposta domiciliária aproveitando o potencial organizacional das novas ULS, falha por completo. A sua aplicação transforma a prática centrada na pessoa em prática centrada numa única profissão. Um dos grandes problemas das ECCI sempre foi a falta dos necessários recursos humanos que devem constituir a equipa multidisciplinar, tal como previsto no original Decreto-Lei n.º 101/2006. Ao contrário do necessário investimento na motivação dos profissionais, esta portaria elimina a multidisciplinaridade das ECCI, ainda que daí resulte que as pessoas deixem de ter os melhores cuidados de saúde de que necessitam e que são possíveis em Portugal.

Este ato legislativo contraria a evidência científica disponível a nível internacional e a que consensualmente resulta da experiência vivida em Portugal nos seus quase 20 anos da Rede de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), do que devem ser cuidados domiciliários (doentes e cuidadores) com patologia múltipla e complexa, idade avançada e/ou condições sociais desafiantes.

As ECCI seriam equipas multidisciplinares destinadas à prestação de “serviços domiciliários de cuidados médicos, de enfermagem, de fisioterapia e de apoio psicossocial e ocupacional” “centradas na promoção e na reabilitação da autonomia, da funcionalidade” (artigo 28.º, DL 101/2006). Como é possível uma portaria desvirtuar os conceitos contidos na norma legal que a habilita?

Pessoas com problemas múltiplos de natureza cardíaca, renal, pulmonar, metabólica, músculo-esquelética e/ou oncológica, organizados em diferentes perfis de contextos socioeconómicos e ambientais, nunca poderão ter as suas necessidades em saúde tratadas por uma única profissão. Há demasiada evidência científica publicada internacionalmente que o demonstra.

Analisando os indicadores de desempenho contidos na recente portaria, são essencialmente indicadores de resultado (satisfação) e de processo (hospitalização e utilização das urgências), não se vislumbrando uma única medida que meça a melhoria funcional e participação social das pessoas, que constitui o verdadeiro objetivo destas equipas.

Resta saber se o Governo deseja que os diferentes profissionais atualmente englobados nas ECCI se afastem definitivamente da Rede Nacional de Cuidados Integrados domiciliária, ou se prefere que se mantenham a trabalhar em equipas e a contribuir para resultados cujos inventivos serão apenas auferidos por uma das profissões.

A RNCCI, em particular as ECCI, há muito que carecem de um pensamento estratégico estruturado. Apresentam taxas de ocupação longe dos 100%, revelam enorme assimetria territorial, usam um sistema de informação sem interoperabilidade com os sistemas hospitalar e de cuidados primários, não apresentam um modelo de referenciação claro e uniforme, nem estão incluídas em percursos assistenciais integrados claros.

A portaria 156/2025 afasta qualquer estratégia estruturada sobre estes pontos e consegue convidar os poucos assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas, médicos e psicólogos que trabalham em ECCI a deslocarem-se definitivamente para o setor privado por uma política pública não inclusiva.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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