Gaza, um cemitério dos “nossos valores”
Sob o silêncio dos tonitruantes defensores dos valores da civilização ocidental, com destaque para a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, Gaza permite-nos ver enterrar a cada dia que passa todos esses valores: o do direito à vida, pela submissão constante a bombardeamentos e, sobretudo, por cada criança assassinada e por cada bebé impedido de nascer; o do direito a uma alimentação adequada, pela inibição constante do acesso a bens essenciais e, designadamente, à água; o do direito à saúde, por cada profissional de saúde eliminado, pelos hospitais arrasados e pelo impedimento do acesso aos cuidados básicos; o do direito à habitação, por cada casa esventrada e reduzida a escombros; o do direito ao saber, por cada escola destruída, por cada biblioteca bombardeada e por cada professor trucidado; o do direito à prática de uma qualquer religião, por cada templo destruído e por cada oração interrompida por uma bomba; o do direito à mobilidade, por cada deslocação forçada; o do direito à informação, por cada jornalista alvejado e morto e por cada meio de comunicação social fechado.
O que mais dói neste enterro, para lá do silêncio dos grandes defensores dos valores da nossa civilização, é constatar que o oficiante do mesmo — a “única democracia do Oriente Médio”, como é dito por aqueles — foi uma vítima desses mesmos valores e constitui um Estado criado para fugir às perseguições a que frequentemente era sujeito.
Luís Pardal, Lisboa
Um homem verdadeiramente bom
Partiu o Papa Francisco. Um homem que reiteradamente apelou à paz, à solidariedade e à não-discriminação com base na etnia, origem social, orientação religiosa ou sexual, deficiência ou qualquer outra característica ou condição.
Um homem que abraçou imigrantes, refugiados, doentes, pobres, pessoas transgénero e tantos outros — os mais frágeis da sociedade.
Um homem que alertou para a degradação ambiental.
Um homem que valorizou o papel da mulher na Igreja e que nela acolheu mães solteiras, divorciados, homossexuais e até não-crentes.
Um homem que se opôs ao ódio, à intolerância e ao egoísmo proclamado pelos ventos xenófobos, imperialistas e autoritários que querem dominar o mundo.
Em suma, um homem que representou o que o cristianismo deve sempre ser (para crentes e não-crentes): feito de actos, não só de palavras ou preces.
Temo que o seu exemplo seja rapidamente esquecido, neste mundo pouco solidário, belicoso e ambientalmente degradado.
Tomás Júdice, Lisboa
Trump um adulto embirrante e infantilizado
Por que motivo algumas crianças gostam de estragar e, por vezes, desmantelar os seus brinquedos? Porque lhes dá prazer e gostam de chamar a atenção, isto segundo Guy Sorman, que usa esta metáfora para tentar explicar as atitudes e procedimentos de Trump.
Na verdade é cada vez mais consensual para certos analistas americanos que Trump é como algumas crianças. Gosta de ser notado, gosta de ser o centro das atenções, assegurando-se que os holofotes estão dirigidos para si. E gosta de “estragar”. Para demonstrar o seu poder viril, diz que vai fazer isto e mais aquilo ou finge que actua.
A Constituição americana deixa-lhe pouca margem de manobra a este respeito, mas ele insiste. Se Trump expulsa os imigrantes por razões de segurança nacional e aumenta desmesuradamente as tarifas em nome de alguma estratégia económica é porque pode fazê-lo, quando qualquer forma de acção política requereria a aprovação do Congresso ou dos estados.
Por isso, há um certo infantilismo embirrante na irracionalidade da aplicação das altíssimas taxas alfandegárias. Os líderes mundiais, principalmente os europeus, ainda estão na expectativa e não sabem, verdadeiramente, com o que contar dada a imprevisibilidade de Trump. O certo é que a opinião pública americana está repontando, começaram as manifestações de desagrado e o mundo dos negócios e das finanças começa a duvidar da verdadeira eficácia das políticas económicas de Trump. Os juízes americanos estão resistindo, mostram a sua independência e, mais tarde ou mais cedo, o Partido Democrata terá de ser alternativa às políticas desastrosas de Trump, revertendo as medidas mais irresponsáveis e nefastas deste presidente, o Calígula de Washington como o apelidou Guy Sorman num recente artigo de opinião.
António Cândido Miguéis, Vila Real
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