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Léo Lins: piadas sobre crimes são mais graves do que os próprios crimes

O humorista brasileiro Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão efectiva por piadas que a justiça considerou discriminatórias para com “negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e pessoas com deficiência”. O espectáculo de stand-up comedy em causa já tinha sido alvo da justiça em maio de 2023, quando o vídeo foi retirado do YouTube e o humorista foi forçado a apagar cópias da obra artística, bem como a abster-se de produzir piadas de teor semelhante no futuro. Se a decisão de há dois anos era incompreensível, a mais recente é completamente aberrante.

As palavras que a justiça brasileira entende merecerem oito anos de prisão foram ditas por um humorista, num espectáculo de humor, para uma plateia de pessoas perfeitamente ciente de que estava num espectáculo de humor, apresentado por um humorista. Oito anos de prisão por discurso ofensivo dito de forma convicta já seria desproporcional. Oito anos de prisão por enunciações humorísticas – que, por definição, não são para ser interpretadas literalmente – é simplesmente indefensável.

É perfeitamente legítimo não gostar e até achar repugnante o trabalho de Léo Lins, mas só um totalitário pode achar esta decisão justa. Somos demasiado humanistas para tolerar piadas tão arrepiantes, mas depois consideramos perfeitamente aceitável que um conhecido autor de textos controversos vá oito anos para a cadeia por ter escrito textos controversos? Talvez seja importante referir que os tribunais de São Paulo já puniram autores de crimes como o de violação de menores com 6 anos de prisão. Ou seja, piadas, que são declarações não-sérias, interpretadas como suposta apologia de crimes são punidas de forma mais severa do que a prática efetiva de crimes violentos.

De que forma é que esta decisão protege quem quer que seja? A punição deste humorista provocará uma melhoria das condições de vida das comunidades que as piadas visaram? Ou o único efeito que tem é o de abrir um precedente para que elas próprias venham a sofrer de restrições ao seu direito de se expressar? Isso e tornar Léo Lins num mártir. Um espectáculo que era ignorado fora de um nicho no Brasil agora pode tornar-se mundialmente conhecido. Se o objectivo era proteger as massas de tão pernicioso discurso, falharam.

A imprensa tem noticiado isto como um evento que reacendeu o debate sobre os limites do humor. Parece-me um claro eufemismo. Esta sentença não devia merecer um debate. Léo Lins ir preso oito anos por piadas não é uma “decisão polémica”, é um ataque despudorado à liberdade artística. Quando um regime prende um jornalista por ter escrito notícias incómodas, isso também reacende o debate sobre o jornalismo? Ou é um indesmentível atentado à liberdade de imprensa, impróprio de uma democracia?

Mas não são só os jornalistas que têm pouca vontade de defender uma liberdade essencial para a consecução dos seus objetivos. Que haja progressistas a celebrar esta decisão absurda mostra que não é só a direita populista a adoptar o ressentimento como eixo da proposta política. No debate político atual, não interessa se há justiça ou racionalidade nas posições que se tomam, só interessa que nos vinguemos daqueles que consideramos serem os nossos antagonistas ideológicos.

A condenação de Léo Lins não é uma vitória para a esquerda, é o prenúncio de uma derrota. Quando o direito à manifestação dos que se opõem ao genocídio em Gaza tem sido sistematicamente reprimido com recurso ao argumento do discurso de ódio, o consenso de uma noção limitada da liberdade de expressão que uma parte da esquerda partilha está a dar imenso jeito a Benjamin Netanyahu, a Donald Trump e aos bilionários que controlam as plataformas onde definem qual o discurso aceitável. Numa altura em que a extrema-direita ameaça as democracias liberais, de certeza que olharmos com leviandade para ferramentas e precedentes para a censura vai correr muitíssimo bem.

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