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Em Sabrosa, Lara Jacinto traçou o retrato íntimo de comunidades imigrantes | Bienal de Fotografia do Porto

Há muito que temas relacionados com migrações, território, fronteiras e identidade assumem um papel central no trabalho da fotógrafa Lara Jacinto. No Tempo das Cerejas, projecto que desenvolveu no contexto de residência artística a convite da Bienal de Fotografia do Porto, vai ao encontro desses temas com a particularidade de ser desenvolvido em Sabrosa, região do Alto Douro Vinhateiro cujo passado está intimamente ligado às vagas de emigração que, em Portugal, marcaram as décadas de 1960 e 70.

“Ao chegar a Sabrosa”, durante o tempo das cerejas, em Maio de 2024, “tentei perceber como estava a situação no que dizia respeito a migrações”, contou Lara Jacinto ao P3, em entrevista. “Eu sabia que era um sítio de onde tinham partido muitos portugueses – e de onde continuam a partir imensos. É um território que, em Agosto, muda com a vinda das pessoas que estão fora do país a trabalhar há muitos anos.”

No início, conta Lara Jacinto, os habitantes de Sabrosa diziam-lhe que não havia estrangeiros naquele espaço. “Fui escavando e descobrindo que, afinal, havia ali pessoas de mais de 20 nacionalidades.” O fenómeno era uma novidade, explica, aquele não era um território tipicamente procurado por imigrantes. “Havia estrangeiros a viver na região há vários anos, sim, mas sobretudo ingleses ligados às quintas de produção de vinho”, diferentes dos que hoje procuram, em Portugal, um refúgio da guerra ou, simplesmente, uma vida melhor ou mais digna. Sabrosa é, nas suas palavras, “um sítio ainda em adaptação a esta realidade”.

No terreno, Lara Jacinto encontrou pessoas das mais diversas proveniências. “Um dos grupos que, para mim, se tornou mais importante no trabalho – e que foram as pessoas com quem passei mais tempo e que continuo a visitar – foi uma família de mulheres ucranianas que vieram para Portugal quando estalou a guerra na Ucrânia”, conta a fotógrafa que vive e trabalha no Porto. “Aquando da sua chegada, uma escola de Sabrosa foi reconvertida, adaptada, para receber, provisoriamente, um grupo de refugiados, cerca de 20, onde elas se inseriam. Este núcleo, composto por duas irmãs e as filhas de uma delas, acabou por permanecer por mais tempo naquele espaço.” As fotografias que descreve quadros escolares foi tirada nesse local provisório de habitação; aquela que retrata várias adolescentes sobre um colchão, no exterior, diz igualmente respeito a essa família.

Conheceu também várias famílias e grupos oriundos do Nepal e da Índia. “São pessoas que trabalham sobretudo no sector agrícola”, diz Lara Jacinto. “Muitos vivem de forma quase subterrânea. Como acabam por se instalar na proximidade dos seus locais de trabalho, que são afastados da vila, por vezes têm pouco contacto com as pessoas dali. Andam muito a pé, raramente têm carro. Há grupos de nepaleses que não conhecem outros grupos de nepaleses que também ali estão, têm experiências que não se misturam. E isso é interessante.”

Há, entre aqueles que conheceu, também angolanos, cabo-verdianos. Todos recém-chegados, “à excepção de uma família de venezuelanos, que vive lá há muito tempo”. Interessa a Lara não “o lado factual, de relato, de prova” associado às imagens; interessa-lhe, sim, que o espectador se fixe nas imagens, nas pistas e indícios que as imagens concedem sobre as vivências destas pessoas. “O espaço revela a forma como as pessoas se relacionam com as casas, com o espaço onde dormem e vivem, e isso é muito importante. É um território simbólico que revela camadas políticas, económicas, sociais, culturais.”

Lara encara a casa como “uma espécie de paisagem interior”, que contém muita informação quando observada atentamente. Dá o exemplo de Sanjo, mulher nepalesa, “que não tem nada em casa”. “Ela chegou a esta casa, está lá a viver, não tem prazo para sair, mas não tem nenhum objecto pessoal. Os espaços estão vazios, completamente vazios e eu acho isso muito forte. É quase como se eu não tivesse de falar com ela para perceber o que ela sente, o que ela pensa.”

A abordagem de Lara Jacinto está longe de ser fotojornalística, sublinha. “Este projecto insere-se no domínio do documentário, mas até um pouco ficcionado.” Porque é composto sobretudo por retratos, a fotógrafa considera que No Tempo das Cerejas, que estará em exposição no Museu Nacional Soares dos Reis até 29 de Junho, resulta, sobretudo, da dinâmica que surge da relação que se estabeleceu entre si e o sujeito fotográfico, a pessoa retratada; juntos construíram uma representação que se afasta do registo espontâneo.

“As imagens não pretendem provar nada, não pretendem afirmar nada, pretendem apenas que reflictamos um pouco sobre estes corpos, sobre estes espaços e sobre estas pessoas que se movimentam e que habitam espaços provisórios.”



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