A imigração, tema central na campanha do Chega para as eleições legislativas de 18 de maior, ultrapassou “largamente a visibilidade da corrupção, que havia sido central nas campanhas anteriores”. Esta é uma das conclusões do relatório final do MediaLab, centro de estudos de ciências de comunicação do ISCTE, sobre o impacto da desinformação na campanha para as últimas legislativas, feito em parceria com a Comissão Nacional de Eleições (CNE), a que se associou a agência Lusa.
Os investigadores do ISCTE fizeram as contas e concluíram que o número total de publicações sobre imigração “cresceu exponencialmente”, mas, assinalou, “o mais relevante foi o volume de visualizações: quase 21 milhões, cerca de cinco vezes mais do que o registado para a corrupção”.
As “principais narrativas de desinformação” da campanha eleitoral das redes “foram promovidas por actores da direita radical” e o MediaLab identificou “três grandes meta-narrativas”. Em primeiro lugar, a “ideia de que “Portugal está a ser invadido”, incluindo alegações falsas sobre a existência de dois milhões de imigrantes. Em segundo, a ideia de “islamização de Portugal” através “da instrumentalização da sátira do falso ‘Partido Islâmico'”. Por fim, a “narrativa de que ’50 anos do regime democrático foram 50 anos de corrupção'”.
Sobre a entrada de imigrantes em Portugal, que o Governo afirma ter reduzido em 60% com o fim da manifestação de interesse, as peças de desinformação partilhadas nas redes sociais alugavam que deixaria de ser necessária a verificação de registo criminal, que os imigrantes recebem subsídios assim que chegam ao país, sem nunca terem descontado, que o passaporte português estaria à venda na Índia, e que, em breve, com o reagrupamento familiar, chegariam mais 500 mil imigrantes, aproximando Portugal dos dois milhões de estrangeiros. Todas estas alegações são falsas.
“Estas meta-narrativas foram ampliadas com conteúdo de desinformação, explorando medo, raiva e desconfiança, partilhado por figuras políticas e páginas com elevado alcance”, lê-se no relatório do grupo coordenado pelo sociólogo Gustavo Cardoso.
Para identificar as principais narrativas de desinformação, os investigadores fizeram uma análise contínua em publicações dos principais candidatos às eleições, figuras-chave dos partidos com assento parlamentar, publicações das páginas oficiais dos partidos, conteúdos analisados pelos fact checkers portugueses e as denúncias de cidadãos à CNE.
O apagão eléctrico de 28 de Abril, que deixou sem luz a Península Ibérica durante 16 horas, teve “grande impacto nas redes sociais”, também foi outro acontecimento “afectado por fenómenos de desinformação” em Portugal, “mas sem influência directa na pré-campanha eleitoral”, concluem ainda os investigadores.
Desinformação contribui para a “erosão da confiança democrática”
Os investigadores alertam ainda para riscos mais vastos da desinformação difundida pela direita radical nas redes sociais durante as campanhas eleitorais. As narrativas identificadas apontam para um “padrão sistemático de erosão da confiança democrática”, promovido por “actores e redes alinhadas com a direita radical”. E alertam que os temas – a imigração, a corrupção, segurança ou islamização – que foram sendo “consumidos” e comentados nas redes sociais durante a campanha eleitoral, contribuem para uma lógica de “deslegitimação da ordem democrática”.
Ao apresentar os imigrantes “como massa instrumentalizada, as instituições como capturadas, e os partidos tradicionais [PSD, PS, CDS] como cúmplices numa farsa de 50 anos, constrói-se uma visão binária e polarizada da política, onde só uma força “fora do sistema” pode dizer a verdade e salvar o país”, argumentam ainda. Esta narrativa, “sustentada por desinformação, simplificação e emoção, cumpre uma função mobilizadora e radicalizadora que fragiliza o espaço cívico e desafia os princípios do pluralismo democrático”, concluem.
Para este projecto do MediaLab, CNE e Lusa, de que foi agora publicado o relatório final, os dados foram recolhidos pelos investigadores nas redes sociais Facebook, Instagram, X, TikTok e YouTube, com recurso a ferramentas online. O sociólogo Gustavo Cardoso foi o coordenador do projecto para aferir a desinformação e os conteúdos a circular nas redes sociais e meio online no período pré-eleitoral. Da equipa MediaLab também fazem parte José Moreno, Inês Narciso, Paulo Couraceiro e João Santos.
Chega é o partido com maior alcance nas redes sociais
O mesmo trabalho de análise da campanha eleitoral para as legislativas já tinha dado conta de que o Chega era o partido com mais alcance nas redes sociais e que um dos seus deputados, Pedro Frazão, tinha sido responsável por dar projecção à desinformação. André Ventura, em particular, destacou-se por ser o líder partidário que mais dominou as redes sociais, em todos os indicadores, do alcance à produção de conteúdo. Em apenas uma semana, chegou aos nove milhões de visualizações no Facebook e aos 5,4 milhões no Instagram. Este número é maior do que a soma das visualizações de todos os outros líderes partidários. Os dirigentes máximos do PSD, PS, BE, Livre, CDS e PAN, tiveram, juntos, 724.079 visualizações no mesmo período.
O aumento da desinformação em contexto de campanha eleitoral, em particular para eleições legislativas, é uma tendência na Península Ibérica, como constatou um outro estudo feito pela SmartVote. Os temas que se espalham nas narrativas de desinformação através das redes sociais são também comuns aos dois países (fraude eleitoral, corrupção e imigração), promovidos pelos partidos de extrema-direita (Chega em Portugal, Vox em Espanha).
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