Precisávamos de outra entrada na série jurássica criada por Michael Crichton e Steven Spielberg como precisávamos de um furúnculo na nádega — ou seja, não precisávamos. Estas coisas, contudo, hoje são geridas pelo pessoal da propriedade intelectual que só vê folhas de cálculo à frente, e o que são 180 milhões de dólares de orçamento se a coisa render muito nas bilheteiras?
No entanto: quando Renascimento arranca, isto dos dinossáurios foi chão que já deu uvas e o museu de História Natural de Nova Iorque está à beira de fechar porque já ninguém quer saber. (Sim, é possível uma pessoa fartar-se de dinossáurios.) Os bichos que escaparam da Isla Nublar já deram a alma ao criador porque não estão preparados para viver na era antropocêntrica, e apenas sobrevivem numa faixa ao redor do equador onde as condições climatéricas estão mais próximas do que eram nos tempos em que dominavam a Terra. É uma ideia curiosa: afinal, a “máquina do tempo” não funcionou, homens e dinossáurios não se dão, a ciência ao serviço do entretenimento não levou a lado nenhum.
O que faz David Koepp, que escrevera o argumento do Parque Jurássico original para Spielberg e regressa agora para reiniciar o franchise, com este ponto de partida? Chuta-o para canto, mas deixa-o como pano de fundo a colorir duas histórias em rota de colisão. Numa, uma equipa de mercenários liderada por Scarlett Johansson (que merecia melhor personagem) acompanha um responsável de uma farmacêutica numa missão perigosa para colher amostras de sangue da megafauna jurássica a fim de desenvolver um novo medicamento contra o cancro. Noutra, um pai navegador (o mexicano Manuel García-Rulfo), as duas filhas e o namorado charrado da mais velha estão a velejar à volta do mundo e são salvos de um gigantesco dinossauro aquático pelos mercenários. Duas células familiares, uma de sangue outra de escolha: Spielberg nunca falou de outras coisas que não fossem famílias e o britânico Gareth Edwards, a quem se deve a melhor das versões ocidentais de Godzilla, inscreve-se nessa linhagem, colocando no centro do filme uma deslumbrante sequência de namoro sáurio.
Dito isto, apesar do namoro neojurássico, Renascimento não tem pretensões a substituir-se ou a refazer o original, nem o tenta. Spielberg teria sabido fazer melhor com o material de partida; as boas ideias dissipam-se rapidamente num esquematismo feito de atalhos e tropos que o elenco de bom nível preenche com inatacável competência, mas também sem se investir para lá do razoável; as sequências de suspense são encenadas com clareza e desenvoltura, com uma gramática visual e narrativa legível e directa (nada dos histerismos de Danny Boyle). Que o mesmo é dizer: aqui não se descobre nada nem se reinventa nada, e também não se dá o tempo por desperdiçado. Mais um Jurássico não fazia falta — mas, já que se fez, pelo menos que seja assim, uma comichãozinha menor no nariz em vez de um irritante furúnculo na nádega.
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