Segundo a Lei da Nacionalidade ainda em vigor, saída das reformas de 2018 e 2020, os filhos dos imigrantes são cidadãos portugueses de origem. Desde que, à data do nascimento, os respetivos progenitores residam legalmente em território nacional. Podem ter acabado de se legalizar ou ter chegado ao país muito recentemente. Pouco importa se estão apenas de passagem, a caminho de outras paragens. Os progenitores nem precisam sequer de fazer um pedido expresso no registo civil, porque a atribuição da nacionalidade é feita automaticamente.
Quanto aos filhos dos imigrantes em situação ilegal, o regime resultante das alterações efetuadas em 2018 e 2020 não é apenas generoso. É perverso. Neste caso, a lei exige um ano de residência irregular dos progenitores em solo nacional. Exatamente: não basta entrar ilegalmente, assim como também não são suficientes cinco ou seis meses de residência não permitida. Somente se a violação da Lei da Imigração persistir no tempo – no fundo, se a ilegalidade do progenitor em causa subsistir ao longo de 12 ou mais meses, sem qualquer limite –, é que a Lei da Nacionalidade hoje vigente confere a cidadania portuguesa aos filhos dos infratores. É um prémio atribuído pela violação reiterada da lei. Só assim não sucederá se estes progenitores em situação irregular recusarem expressamente a atribuição da cidadania portuguesa aos seus filhos, mesmo que uns e outros vivam cá.
Naturalmente, estas crianças assim nascidas portuguesas de origem – por simples inscrição no registo civil – produzem um “efeito de âncora” no que toca à residência dos progenitores em território nacional. Se estes assumirem minimamente as responsabilidades parentais em relação aos seus descendentes – por força da cláusula constitucional que proíbe a separação dos filhos relativamente aos pais –, estes últimos não poderão mais ser objeto de uma medida de afastamento. Mesmo que os progenitores continuem a não cumprir os requisitos exigidos na Lei da Imigração para permanecer em território nacional, não há forma de determinar a sua saída.
Verdade seja dita, também não há grande incentivo para estes imigrantes em situação irregular perderem tempo e dinheiro com as muitas burocracias da legalização. Basta deixar o decurso do tempo fazer o seu trabalho.
Afinal, se a ilegalidade da residência se arrastar por cinco anos, antes ou depois do nascimento dos filhos, a Lei da Nacionalidade – repita-se, na sua versão de 2018/20 – permite que os progenitores adquiram a nacionalidade portuguesa, através de um regime especialíssimo de naturalização, por conta de serem pais ou mães de portugueses de origem. Assim mesmo: a nacionalidade, que sempre se transmitiu de pais para filhos (conexão da ascendência), passou também a transmitir-se de filhos para pais (conexão da descendência), com o objetivo de resgatar imigrantes da sua situação de residentes ilegais, transferindo-os diretamente para o estatuto de cidadãos nacionais – e, como tal, titulares de todos os direitos políticos dos portugueses.
Nos debates que têm ocorrido sobre este tema, parece que ainda há quem tenha dúvidas sobre a necessidade de rever a Lei da Nacionalidade, acusando a proposta que se encontra no Parlamento de ser uma cedência ao populismo. Quinhentos mil requerimentos pendentes de aquisição da nacionalidade portuguesa parecem só por si uma boa razão para repensar a abertura do regime em vigor. Mas, sobretudo, é fundamental restabelecer a seriedade dos critérios de atribuição da nacionalidade portuguesa, originária e derivada, impedindo que a ilegalidade da residência dos imigrantes compense. Quanto mais duradoura, mais facilmente filhos e pais se tornam cidadãos nacionais.
O autor escreve segundo o acordo ortográfico de 1990
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