A morte de Nuno Portas é muito mais do que uma perda pessoal. Somos muitos os que fomos formados e marcados para toda a vida por ele, como professor, como arquiteto, como investigador, como verdadeiro pai da política pública de habitação desde o 25 de abril.
O Nuno era um ser de inteligência superior, um curioso insaciável, um perguntador sistemático e inquieto. Lia tudo, conhecia muitos dos autores que lia, tinha viajado e trabalhado noutras latitudes e era generoso a partilhar os seus múltiplos conhecimentos e interrogações. Estou a vê-lo chegar, de sacola carregada de livros e revistas ao ombro, um inevitável cachimbo e um sorriso aberto. Circulava com facilidade pelos mais diversos meios, mas era nas aulas, nas conversas do atelier da Rua da Alegria, nos gabinetes do LNEC onde tinha criado um núcleo de arquitetura, que mais recebíamos dele.
Na história da arquitetura e da política de habitação, o seu pioneiríssimo programa SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) foi um indiscutível passo fundador. Revelou ao mundo uma nova geração de arquitetos portugueses, hoje reconhecidos e premiados. E deixou uma “pegada” forte na Constituição de 1976, desde logo no artigo 65.º sobre o direito à habitação. Nas incumbências do Estado para o garantir, inclui-se a de “incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.” Obrigação pública que anda muito esquecida, como se tem visto.
O Nuno tinha trabalhado em profundidade as questões da habitação e da política de solos. A sua influência chegava mesmo a alguns governantes da última leva anterior ao 25 de abril. Basta reler, por exemplo, o decreto lei 576/70 sobre política de solos para encontrar medidas com a sua marca, como a fixação de limites aos valores dos terrenos para construção ou o estabelecimento de rendas máximas numa certa percentagem dos fogos licenciados. Medidas então tidas como necessárias no combate à especulação, que hoje são um tabu ideológico para o “comentariado” dominante.
Para muitos como eu, a morte do Nuno é uma orfandade. Portugal não chegou a reconhecê-lo em vida como merecia. Parece ser sina nossa o esquecimento a que a Pátria vai votando alguns dos nossos maiores. O Nuno Portas foi um deles. Na história da luta pelo direito à habitação, será sempre dele o maior legado.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
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