Vais mandar uma mensagem? Liga antes. Se possível, combina cara a cara o que tens para dizer. A mensagem corre o risco de não ser vista, de ser ignorada, de ficar para depois. Quantos dates são antecedidos pelo diálogo:
— Podes enviar-me um áudio com a tua voz ao menos?
— Isso é estranho…
— Estranho é falares há mais de uma semana comigo e nunca ter ouvido a tua voz. Sem ouvir a tua voz, não vou ter contigo!
Mas que fobia é esta, que não conseguimos estabelecer diálogo com alguém por telefone? Por que motivo estamos a perder este gesto íntimo? Coramos, hesitamos, colocamos a voz em jeito de submissão, porque sentimos que nos atrapalhamos no que queremos transmitir. A voz revela mais do que a palavra escrita. Temos mais coragem para dizer por mensagem o que nunca diríamos ao vivo e a cores. Deixemos cair as mensagens e liguemos. Só admitamos as mensagens, para dizer “Já estou na receção do hotel”, ou “sai que estou cá fora à espera”.
A mensagem não tem uma reação imediata nem tão verdadeira como um telefonema. Ao ouvir “gosto de ti”, saberemos se o “também gosto de ti”, é dito de forma entusiasta ou simplesmente como aceno de reciprocidade mecânica. Acho mesmo que o sucesso de uma relação, seja ela de amizade ou de amor, se pode medir pelo número de vezes em que falamos de viva voz. O que assim não sucede, perde-se no tempo e sejamos sinceros, não é tão presente assim.
Amizades eternas ligam, não enviam só mensagens. Telefonar para alguém significa estar disposto a ter tempo para escutar o outro. De outra forma, vive-se uma ilusão de proximidade, em que as notificações podem ser desligadas e até os vistos do WhatsApp que nos indicam se a mensagem já foi entregue, se já foi lida, podem ser desativados.
Já ninguém tem conversas longas pela noite adentro? Não valem as que são traduzidas em corações vermelhos de afeto ou carinhas a rir para esconder o desconforto do silêncio. Os emojis são a make up das emoções veladas, ainda que um estudo recente, publicado na revista científica Plos One, indique que facilitam a comunicação, contribuindo para relações mais sólidas e satisfatórias. Há quem nunca diga “gosto de ti”, mas envie diariamente um coração, ficando à mercê de ter como resposta o emoji de revirar os olhos (��)“isto dos corações a toda a hora já é ridículo”.
As relações não se constroem com expressões gráficas, mas com tempo de escuta, de qualidade. Claro que nenhuma conversa telefónica, nem nenhum emoji vai a tempo de salvar um café marcado, quando se lê: “Já comes-te?” E mais uma vez se prova que uma chamada de voz evitaria percecionar a calinada. Já agora, recomendação extra de quem trabalha em rádio: não envies áudios por WhatsApp, é preferível ligares. Há sempre o risco de a tua voz, gravada, denunciar que estás no quarto de banho, ou que tens a mesma motivação de um funcionário, às 17h59 de sexta-feira, ou de ainda emanares um vibrato ansioso em cada palavra tremida.
É que já nem os mais velhos fogem a esta catástrofe, ainda que estejam desculpados. Gerações de idosos iniciam e terminam os dias com o envio de mensagens com imagens de uma flor, cachorrinhos, pombas e os dizeres: “Boa sexta-feira. Que Deus te abençoe.” Reencaminham uns para os outros numa espécie de cordão da oração sem fim. É singelo, repetitivo e, de certa forma, reconfortante, e eles não têm receio do exagero. Já que os jovens não ligam, bombardeiam-nos com imagens de chávenas de café, ursinhos, flores, pássaros e tudo o que circular na rede a desejar bom dia ou boa noite. Da minha parte, eu respondo a todas estas mensagens. É o mínimo que se pode fazer, quando ligar se tornou acessório. E afinal, talvez a comunicação não precise ser original, mas constante. Ainda assim, insisto, ouvir-te é melhor do que ler-te…
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990
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