Vivo Novidades

Blog Post

Vivo Novidades > Notícias gerais > A ética do interesse público | Opinião

A ética do interesse público | Opinião

A atual crise política motivou o renovado interesse pela questão da ética dos agentes políticos. Mas nem sempre da forma mais rigorosa. Uma tradição abstrusa faz com que entre nós este tema seja apresentado sob a designação de “ética republicana”, como se os mesmos princípios morais se não aplicassem aos que não se identificam com o republicanismo como ideologia, ou mesmo com a república enquanto forma de governo. Pior ainda, continua a repetir-se a infeliz expressão de um ex-ministro, já desaparecido, segundo a qual “a ética republicana é a ética da lei”. Se assim fosse, se a ética individual dos agentes políticos equivalesse à que está ínsita na própria lei, então ela seria o mesmo que nada. A ética dos agentes políticos é relevante precisamente porque existe independentemente da lei.

Além disso, a ética distingue-se da lei porque a sua sanção não consiste num conjunto de penas ou outras sanções jurídicas, aplicadas com o poder coercivo do Estado, mas antes no julgamento da opinião pública – e esta pode até ser mais pesada do que algumas penas.

Aquilo que há de mais essencial na ética dos agentes políticos é, porventura, a sua fidelidade ao “interesse público”. Este conceito é complexo. Numa sociedade pluralista e democrática, aquilo em que consiste o interesse público em relação a qualquer matéria específica e em cada momento particular, é necessariamente variável. Por exemplo, uns podem considerar do interesse público a realização de uma qualquer obra pública que outros pensam ser contrária a esse mesmo interesse. Uns pensarão que o interesse público é servido por um sistema de pensões baseado na repartição, enquanto outros diriam que apenas um sistema baseado na capitalização das contribuições individuais o consegue. Para uns, a entrega da gestão de hospitais a privados serve o interesse público, enquanto para outros o afronta. Os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente.

Mas se é difícil, ou até indesejável num contexto democrático, definir para todos os tempos e circunstâncias aquilo em que o interesse público consiste, não é tão difícil e é especialmente importante ter em conta aquilo que o interesse público não é, ou seja, a sua definição negativa e mais intuitiva. Assim, o interesse público não é nem pode nunca ser a cedência a interesses especiais que não têm em conta o bem da sociedade como um todo, em qualquer uma das suas declinações possíveis. Ou seja, o interesse público não pode ser subordinado aos interesses particulares de empresas privadas, lobbies ou associações, que podem representar aspirações socialmente relevantes, mas não o interesse geral.

Daí que qualquer ligação privilegiada dos agentes políticos a esses interesses especiais seja problemática e que os limites éticos da sua atuação devam ser balizados, antes de mais, pela total independência, ou mesmo indiferença, face aos interesses particulares. Há certamente vários outros princípios que devem ser realizados pelos agentes políticos e que podem ser vistos como decorrendo da defesa do interesse público, como o dever de transparência, ou o imperativo de assunção das próprias responsabilidades, etc. Mas a fidelidade ao interesse público, na sua definição negativa, é o limite absoluto que nenhuma sociedade decente poderá permitir que seja infringido. Espero que todos possamos concordar neste ponto.

Mas é muitas vezes mais fácil chegar a um acordo sobre princípios do que sobre factos. A grande questão no centro da política portuguesa é a de saber se o atual primeiro-ministro agiu, de facto, de uma forma que coloca em causa a prossecução do interesse público tal como acima definido. O leitor que decida.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

#ética #interesse #público #Opinião

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *