As instalações de uma empresa que explora areias pesadas na comunidade de Varela, no noroeste da Guiné-Bissau, junto à fronteira com o Senegal, foram esta sexta-feira incendiadas por populares da aldeia de Nhinquin, cansados e esgotados com um assunto que se arrasta há longos anos e que só tem contribuído para o mal-estar da população. Na sua maioria seriam mulheres.
A polícia guineense deteve 16 pessoas que foram levadas para um quartel militar, de acordo com a Lusa. Fonte da Guarda Nacional disse que as pessoas foram detidas para serem ouvidas “sobre as motivações” do incidente que culminou no fogo posto.
Entre as detidas estaria Valentina Cirelli, uma empresária local do ramo hoteleiro (italiana de avó guineense), proprietária de um alojamento com bungalows em cima da praia, a Casa Aberta KasumayaKu, mas que teria sido libertada horas depois, por não se ter provado o seu envolvimento no incidente.
Este é apenas mais um episódio na longa batalha das populações locais contra as actividades de extracção de minerais na praia de Varela, que se agudizaram a partir de 2015, de acordo com o relatório Guiné-Bissau: Indústrias Extractivas, Direitos das Comunidades e Conflitos, publicado o ano passado pela Liga Guineense de Direitos Humanos (LGDH).
“As populações acusaram o Estado de desinteresse em resolver os problemas, enquanto reclamavam pela contaminação da água – não se podia beber porque salgada e continha produtos químicos –, da empresa não cumprir as suas promessas de criar as condições infra-estruturais e sanitárias para o sector de Varela e estar a destruir o ambiente marinho e terrenos de cultivos de arroz e a pesca nas bolanhas [várzea] junto ao rio Willin”, lia-se no relatório.
“Cansada e esgotada” por anos de reuniões que não levavam a lado nenhum, por efeitos nocivos no meio ambiente e, consequentemente, nas suas actividades primordiais de subsistência, a agricultura e a pesca, sem que os habitantes locais beneficiassem o mínimo que fosse pela exploração dos recursos naturais da região, a comunidade de Varela prometeu “resistir à invasão das máquinas”. O episódio deste fim-de-semana seria, então, uma demonstração dessa resistência.
A praia de Varela, um extenso areal de sete quilómetros, é considerada por muitos como uma das mais bonitas da Guiné-Bissau, mas só a menção da exploração da sua areia põe, hoje em dia, as comunidades locais “maldispostas”. Até porque “não têm para onde levar os filhos e reassentar a sua vida”, dizia o relatório da LGDH.
A 23 de Janeiro já tinha havido um protesto do mesmo género, também liderado por mulheres de Nhinquin, que levou a GMG International a parar a actividade. A empresa de capital desconhecido, “mas presumivelmente oriunda de zona franca no Médio Oriente”, como refere o relatório da LGDH, herdou até 2028 a concessão da parcela n.º 12 das areias de Varela, em Nhinquin, da empresa russa POTO, SARL, que a detinha desde 2015.
Mau ambiente em nome do ambiente
Paradoxalmente, as ameaças ao ambiente de Varela estão directamente ligadas com o crescente interesse da indústria mundial em materiais sustentáveis e ecológicos, porque as areias de Varela são ricas em ilmenite, de onde se extrai o dióxido de titânio, usado como base em pinturas de alta qualidade.
De acordo com o inventário geológico feito por um projecto das Nações Unidas em 1990, citado pelo referido relatório, o depósito de areias de Varela é de 440 mil toneladas, com uma com composição média de 20% de ilmenite, um mercado que deverá crescer 8% ao ano até 2032, tendo em conta a crescente procura de dióxido de titânio, que também pode ser usado em baterias e na produção de hidrogénio.
Um estudo do Governo guineense, citado pela Lusa, indica que a exploração de areias pesadas de Nhinquin permitirá extrair e aproveitar 119 mil toneladas de minérios, além da ilmenite, também zircão e rutilo.
No entanto, aquilo que poderia ser benéfico para uma comunidade empobrecida – a região de Cacheu, onde está Varela, é uma das mais pobres do país, com mais de 80% de pessoas em condição de pobreza, 15% dela a viver em pobreza extrema – só tem trazido transtornos, dissabores e tristeza.
“A comunidade não recebeu qualquer benefício, nem um tostão entrou para a comunidade. Não receberam nada e não querem receber. Vários reforçam: nada, nunca, não querem, antes o futuro dos filhos”, refere o relatório. Até porque não há benefícios sociais palpáveis que os possam levar a pensar duas vezes: “A saúde é muito precária na zona e as grávidas chegam muito maltratadas ao hospital, que se encontra muito distante. De educação, só têm até à 6.ª classe.” Até a estrada que foi feita, e que tanto foi pedida pela comunidade, só serve para benefício da empresa.
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