Uma empresa do grupo Verdasca & Verdasca construiu uma unidade industrial para fabrico de estruturas de betão numa área de Reserva Ecológica Nacional (REN) em Fátima, sem comunicação prévia ou autorização, e prosseguiu a obra mesmo depois de ordens de embargo da autarquia, que foram comunicadas ao Ministério Público. As entidades de fiscalização encontraram indícios de que o projecto para a área afecta à REN “possa ter beneficiado ou estar em vias de beneficiar de apoios dos fundos europeus”.
O alarme soou no final de Outubro, quando a associação ambientalista Quercus denunciou a “construção junto da Estrada do Cabecinho, em Fátima, numa área de Floresta de Conservação definida no Plano Director Municipal de Ourém e integrada na REN”.
A intervenção da empresa Painelaje – Pré-Fabricados em Betão, iniciada há mais de três anos, “aterrou numa área com cerca de 15 hectares de ecossistemas integrados no regime da REN, com resíduos de construção e demolição que são perigosos para o ambiente”, localizada em Giesteira, na freguesia de Fátima. Este tipo de intervenção potencia a “infiltração em terrenos do maciço calcário estremenho, de substâncias que podem vir a contaminar o segundo maior aquífero do país”, explicou ao PÚBLICO Domingos Patacho, da Quercus.
A organização ambientalista recebeu, entretanto, do Município de Ourém, a indicação que a sociedade Painelaje, do Grupo Verdasca, já tinha sido notificada do embargo da obra de “edificação de um pavilhão com cerca de 2300 m2” e que se encontrava a produzir painéis em betão “sem a devida comunicação prévia”. Este tipo de actuação, acrescenta a autarquia, “violou normas do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (RJREN)”. Para repor a legalidade, a câmara “levantou autos de notícia e embargo das obras”.
A posição da autarquia foi comunicada ao Ministério Público, que solicitou ao Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR e à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) uma “fiscalização com levantamento de auto de notícia para avaliação de medidas cautelares e de polícia urgentes”.
As obras, contudo, continuaram “a avançar escandalosamente, em crime de desobediência às autoridades do Estado”, salienta a Quercus.
Obra embargada quatro vezes
Durante a última reunião da Assembleia Municipal de Ourém, a 9 de Janeiro, o deputado municipal João Pereira, do Move – Movimento Independente, pediu esclarecimentos ao presidente da Câmara de Ourém, o social-democrata Luís Miguel Albuquerque, sobre o processo que envolve o grupo Verdasca & Verdasca: “Existe ou não um processo de licenciamento, seja um licenciamento industrial, seja para aterro, ou seja, para exploração de pedreiras ou de inertes? O que é que se passa, afinal?”, questionou.
João Pereira recordou ainda o passivo que existe em Ourém sobre “licenciamentos da actividade de exploração de inertes e britagem ou como se têm permitido aterros sem licenciamento ou desadequados em zona de Reserva Ecológica Nacional ou até em Reserva Agrícola Nacional”.
Na resposta, Luís Albuquerque confirmou que “a área de construção de pavilhões para instalar uma fábrica de betão, bem como se a área aterrada em cerca de 15 hectares, está definida no Plano Director Municipal de Ourém como área de floresta, de conservação e integrada na REN, sem que exista qualquer licenciamento”.
Traçando uma cronologia dos acontecimentos, o autarca afirmou que a 9 de Maio de 2023 a câmara foi notificada pela GNR sobre “uma intervenção que estava a decorrer” em plena REN, tendo notificado a empresa para prestar esclarecimentos. “Em 10 de Maio, a fiscalização municipal informa que há obras sem licença; a 23 de Maio foi levantado o auto de embargo. A 12 de Junho, a fiscalização fez nova informação. No dia 15 de Junho, o vereador do pelouro fez novo embargo, e no dia 18 de Agosto mais outro embargo”.
“As decisões não foram respeitadas”
O autarca afirmou à Assembleia Municipal estar “perfeitamente à vontade”: “achamos que fizemos aquilo que devíamos ter feito, embargamos quatro vezes a obra, mas as decisões não foram respeitadas”. O município de Ourém, tal como a CCDR-LVT, enviaram os embargos ao Ministério Público, mas acabaram contestados pela Painelaje, que accionou uma providência cautelar.
O autarca, contudo, recusou dar respostas ao pedido de esclarecimentos do PÚBLICO sobre a infracção cometida pela empresa Painelaje, afirmando apenas que “enquanto estiver a decorrer o processo nas vias judiciais não presta declarações sobre o caso”.
Na resposta a um conjunto de questões colocadas pelo PÚBLICO, também a empresa responde que, “neste momento, considera como única posição adequada não prestar quaisquer declarações públicas sobre o tema”.
A Painelaje acrescenta que “está a acompanhar, de perto e com serenidade, o processo judicial espoletado no contexto da ampliação da unidade industrial já existente, situada na freguesia de Fátima, em linha com a política de transparência e responsabilidade que sempre pautou a empresa”.
Degradação ambiental
A empresa salienta ainda que está “empenhada numa solução que beneficie todas as partes envolvidas e que contribua para a resolução pacífica da situação”, afirmando estar “focada na oferta de soluções sustentáveis e na defesa do ambiente, contribuindo, a cada dia, para o desenvolvimento económico do concelho e do país, através de investimento e criação de valor nas comunidades onde actua”.
No entanto, a CCDR-LVT, que realizou uma acção de fiscalização em Setembro de 2024 “numa área classificada como Reserva Ecológica Nacional”, na sequência de uma denúncia, adiantou ao PÚBLICO que as obras de construção civil estavam a decorrer “sem licenciamento, incluindo a execução de infra-estruturas e aterros”. A entidade afirma ter procedido ao “levantamento de um auto de notícia por contra-ordenação e ao embargo imediato das obras em curso, e informou o Ministério Público dessas diligências”.
Esta posição é corroborada pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT). O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, refere que “estão destituídas de controlo prévio as obras de construção e de aterro, por estarem a ser efectuadas em solo afecto à Reserva Ecológica Nacional (REN), por empresas do Grupo Verdasca & Verdasca”.
Fundos europeus
A IGAMAOT adianta que já recomendou à ministra do Ambiente e Energia, assim como ao secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, que entreguem à CCDR-LVT, em articulação com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “um prazo para a identificação e imposição” das medidas adequadas à “prevenção e redução dos efeitos que um aterro desta natureza possa produzir na degradação das áreas estratégicas de infiltração e de recarga de aquíferos nas quais ele foi executado”.
Propõe, que as duas últimas entidades se “abstenham de aprovar qualquer proposta de delimitação da REN, que lhe possa ser submetida pela Câmara Municipal de Ourém no contexto da alteração do seu PDM” que está em curso.
Por fim, informa o IGAMAOT, subsistem indícios de que o projecto da unidade industrial da Painelaje para a área afecta à REN “possa ter beneficiado ou estar em vias de beneficiar de apoios dos fundos europeus do Portugal 2030”.
Para obstar a esta possibilidade, a IGAMAOT deu “conhecimento da factualidade apurada” à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, para que possa “promover o procedimento que vise assegurar a eventual recuperação de apoios indevidos”.
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