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Atiraram o barro à parede (de novo) | Opinião

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Atiraram o barro à parede e, como era previsível, não colou. O Tribunal Constitucional chumbou as alterações à Lei de Estrangeiros, mas o governo já avisou que vai tentar de novo. Como uma criança teimosa que insiste em atirar massa na parede esperando que grude, o executivo do primeiro-ministro Luís Montenegro apostou numa estratégia política milenar: criar polêmica sobre imigração para desviar a atenção do verdadeiro problema — o colapso generalizado dos serviços públicos.

A história está repleta de exemplos desta tática cínica. O estrategista britânico Lynton Crosby cunhou a expressão “dead cat on the table“: quando se está perdendo uma discussão, joga-se um gato morto na mesa — todos falarão sobre o gato, não sobre o problema original. Boris Johnson era mestre nesta arte: durante o escândalo das festas em lockdown, anunciou planos para deportar refugiados para Ruanda. Manchetes garantidas, escândalo esquecido.

Nos Estados Unidos, o Patriot Act ilustra perfeitamente a manipulação do medo. Apresentada três dias após o 11 de setembro, a lei de 342 páginas foi aprovada em 72 horas. O congressista John Conyers admitiu depois: “Não lemos o Patriot Act antes de votá-lo.” Quem ousasse questionar era rotulado de “antipatriótico”. Décadas depois, tribunais declararam inconstitucionais várias de suas provisões.

A Lei Seca americana (1919-1933) é outro caso emblemático. Pressionados por grupos religiosos e movimentos de temperança, congressistas votaram a favor da Proibição mesmo sabendo ser impossível aplicá-la. O senador James Wadsworth Jr. alertou que seria “impossível de aplicar” em grandes cidades, mas 46 dos 48 estados ratificaram. Resultado: criou-se o crime organizado moderno, a lei foi largamente desrespeitada e acabou revogada — único caso de uma emenda constitucional completamente anulada.

Portugal agora entra neste clube pouco honroso. O Tribunal Constitucional chumbou cinco normas da lei que restringia o reagrupamento familiar e limitava recursos judiciais. Juristas alertaram sobre as inconstitucionalidades, mas o governo insistiu, aproveitando o apoio do Chega para passar rapidamente um pacote juridicamente condenado.

Por quê? Porque enquanto discutimos se famílias podem reunir-se, não falamos das filas intermináveis nas Finanças, dos 450 mil processos encalhados na AIMA, das mortes no INEM, da falta crônica de professores. Os serviços públicos estão em colapso, e essa é uma verdade incômoda para a classe política no país.

A AIMA simboliza esta falência. Com apenas oito juízes para milhares de ações, o Tribunal Administrativo aproxima-se da inoperância absoluta. Em uma tarde, 500 novos processos são protocolados. Imigrantes fazem biometria, mas esperam meses pelo cartão de residência. O governo promete normalidade, mas nem cumpre os 90 dias legais para emitir documentos.

A estratégia é transparente: eleger a imigração como problema número um disfarça décadas de má gestão. É mais fácil culpar o “outro” do que admitir a incapacidade de gerir o Estado. Como na Lei Seca americana — quando políticos votaram sabendo ser impossível aplicar, apenas para aplacar grupos moralistas — o governo português manda o barro à parede esperando que cole.

O ministro António Leitão Amaro já avisou: mesmo com o chumbo constitucional, o “destino é o mesmo”. Continuarão tentando. Enquanto isso, portugueses e imigrantes partilham filas em serviços que não funcionam. A diferença? Uns votam, outros servem de bode expiatório. Mas o colapso, esse, sim, é democrático: atinge todos por igual.

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