Se na primeira parte deste nosso balanço ao consulado do engenheiro Carlos Moedas de 2021 a 2025, o ponto focal foi o património edificado e as suas conexões directas, nesta segunda trataremos das indirectas, que é como quem diz, do urbanismo, mobilidade e espaço público.
E se é verdade que a presente vereação lançou mãos à mega-empreitada do famoso Plano de Drenagem, mesmo que lá de fora nos cheguem relatos de que a aposta em túneis já estará ultrapassada, e que concluiu o Museu do Design, que estava encalhado há mais de dez anos por razões que a razão desconhece, pergunta-se: onde pára a revisão do Plano Director Municipal, supostamente obrigatória de dez em dez anos?
O PDM actual é de 2012 e se já estivesse revisto convenientemente talvez não fosse necessário ao presidente da CML desculpar-se com ele, como se desculpa, referindo que é o PDM que permite a cada vez maior tomada da cidade pelos hotéis em substituição de habitação, e que se o impedir estará a violar a lei porque há direitos adquiridos da parte dos promotores que compram prédios de habitação e serviços nos nossos bairros com o fito de lhes mudar o uso para hotel, nesta cidade onde tudo é possível.
Mas não havia uma comissão para a revisão do PDM? O que produziram até hoje? Já vamos em três anos de atraso. Por que esperam para fazer chegar ao prelo um novo PDM consentâneo com os problemas da cidade, emendando a descaracterização reinante e devolvendo a cidade às pessoas, às “pessoas”, palavra que o nosso edil tanto gosta de repetir em cada aparição pública que faz?
Também não se compreende o porquê de estarem parados e sem arranque à vista alguns vários projectos urbanísticos de grande monta, herdados de outros executivos, é certo, mas que a CML apadrinhou ab initio, em discussões públicas ad nauseam, como são, por exemplo, os casos dos vazios urbanos da Portugália e de Entrecampos, a nova feira popular/parque urbano em Carnide, o descerebrado Martim Moniz, o Hospital Miguel Bombarda – a CML deveria negociar já com o Governo/Estamo a sua cedência total, permitindo à SRU reabilitar o edifício principal e a enfermaria em “U” para habitação ou residências universitárias, a enfermaria em “poste telefónico” para escola primária e consignar, junto com o Ministério da Cultura, o “pavilhão de segurança” e o balneário D. Maria II enquanto museu das neurociências, abandonando assim a ideia peregrina e lesa-património de ali construir prédios de 5-6 andares, abrir arruamentos, etc.
Mas há que aplaudir a desistência do projecto medonho de mesquita que implicava a demolição de prédios e a descaracterização da Rua do Benformoso.
Tal como é de aplaudir a capacidade de confabular da CML no que toca à Baixa, onde antes todos queríamos ir e de onde agora queremos fugir, salvo para irmos visitar um punhado de lojas resistentes: o Plano de Pormenor de Salvaguarda nunca passou de letra morta e não vale a pena falar-se em “candidatura Unesco”, pois a Baixa perdeu o que detinha de genuíno e distintivo que a justificava – basta, por exemplo, subir a um dos miradouros da zona para se admirar as coberturas que foram e são permitidas.
Em matéria de urbanismo comercial continuamos conversados: ninguém o aplica ou, pior, dá mostras de saber o que é. Que pena, porque a havê-lo evitar-se-ia a abertura de lojas de proveniência duvidosa porta sim, porta não, e ameaças de fecho de lojas históricas como o inenarrável caso da Ginginha Sem Rival.
Já a excelente iniciativa que foi (e ainda é) o Lojas Com História, ela continua sem músculo quando é preciso, e sem ideias: porque não isenta a CML as Lojas Com História de taxas de ocupação do espaço público, néons, etc., por mais que isso doa a certas juntas ávidas de receitas extraordinárias?
Em termos de mobilidade, as restrições postas em prática pela CML à circulação automóvel no centro da cidade resumiram-se, de facto, ao fecho de uma rua, a Rua da Prata, sem grande lógica, diga-se, e à sobrecarga poluidora inevitável de outra, a Rua da Madalena, com tudo o que isso implicou de caos no tráfego, desde logo por ser uma medida desgarrada de um plano pensado e abrangente – diga-se o que se disser da ZER ABC (Zona de Emissões Reduzidas Avenida Baixa Chiado) de 2020, tratava-se de algo estruturado e, seguramente, com bons resultados a prazo, apesar de apresentado às três pancadas, o que levou a que fosse para a gaveta.
Antes para a gaveta que para o lixo, dir-nos-á o caro leitor e com razão, caixote do lixo esse de onde não deverá voltar a domesticação-humanização-arborização da Segunda Circular, uma ideia-projecto “prá-frentex” que, mais uma vez pessimamente apresentada ao público, abortou mal dela se soube, facto que nos deveria envergonhar enquanto capital europeia a anos-luz das transformações radicais que por esse mundo afora se vão fazendo, em que o paisagismo e a qualidade de vida tomam contas das vias rápidas e do asfalto, e de que vamos tomando conhecimento pelo … Instagram.
Da gaveta parece ter saído a grande operação de remodelação da Avenida Almirante Reis, que se impõe, e que se quer rápida, já agora com extensão à Morais Soares e, já agora, sem se colocar uma barreira de árvores às vistas de e para a fonte monumental da Alameda D. Afonso Henriques.
Já quanto a dois dos maiores focos de poluição, a Rua de São Bento e o troço entre o Largo Trindade Coelho e o Miradouro de São Pedro de Alcântara, tudo na mesma como a lesma – a primeira devia ter só um sentido e o “túnel de gás” junto a São Roque devia pura e simplesmente ser vedado aos automóveis. Talvez daqui a oito, doze anos, se volte a falar neles.
A CML, neste mandato, foi pródiga em anunciar medidas de controlo e restrição à circulação e estacionamento de tuk-tuks, mas que, infelizmente, se revelaram frouxas e inconsequentes, ridículas, mesmo, basta ver o que se passa no Chiado, Sé e Cerca Moura, onde a selva dessas carripanas continua a seu bel-prazer. Quanto à circulação dos TVDE poluidores e incumpridores do código da estrada, nem uma palavra, quanto mais medidas.
Portanto, o presidente Moedas não pode dizer que a mobilidade tem sido uma sua grande aposta, sob pena de passar por provocador ou cómico.
Por último, a mediocridade selvagem da gestão do espaço público:
Passeios pejados de tralha, mupis e “arte pública” – é verdade que a actual CML herdou um contrato para a plantação de mupis da JC Decaux, mas também é verdade que poderia ter imposto um mapeamento diferente e menos agressivo para a cidade, contudo nem tugiu nem mugiu; por outro lado, a CML pactua com o desmando “cultural” das juntas e afins, que desde há uns anos a esta parte resolveram “embelezar” praças e jardins com pseudo-esculturas, lixo urbano que, ao contrário daquele que se acumula diariamente na nossa Lisboa outrora limpa, não é passível de remoção salvo por meio de bulldozer.
Por outro lado, grassa o caos na sinalética, sem regras nem padrão. Perpetuam-se candeeiros avariados um pouco por toda a cidade, os monumentos são iluminados pessimamente e não é raro verem-se, num mesmo espaço, candeeiros idênticos com luzes de cores diferentes, num choque visual que os desfeia totalmente bem como ao local onde se inserem – a esse propósito, basta ver o que se passa no Jardim da Estrela.
A demarcação de esplanadas não existe, e as benesses da pandemia continuam: colocam-se mesas e cadeiras onde calha, até em caldeiras calcetadas de árvores abatidas e não substituídas, e os restaurantes angariam clientes na rua como se Lisboa não fosse europeia. A decadência dos jardins e parques é mais que evidente, e medidas simples e pouco onerosas de combate às “ilhas de calor”, nem vê-las – há, aliás, uma total falta de investimento no património arbóreo da cidade e na manutenção de jardins (ex.: o Jardim de Santos está fechado ao público há largos meses para uma suposta regeneração, de que não há vislumbre) e continua a insistir-se em abater árvores para concretização de novos projectos e a tratá-las com meros bibelots (ex.: projecto de Entrecampos)
Por último, apenas referir dois exemplos concretos de quão caricata e enganadora é a “transparência”, que tem direito a pelouro na CML. Desde logo a opacidade na informação prestada no site da CML/Gesturbe acerca dos projectos urbanísticos entrados nos serviços e relativos a edifícios elencados na carta municipal do património. Mas o portal Na Minha Rua, que resolve as ocorrências que os munícipes nele abrem, originando uma elevadíssima taxa de sucesso, mas onde é “resolvido” o problema e encerrada ocorrência para logo se constatar, no local, que o problema se mantém sem ser resolvido – o Na Minha Rua é uma perfeita brincadeira participativa e faria as delícias dos pais do Statistik.
A Direcção do Fórum Cidadania Lx
Paulo Ferrero
Bernardo Ferreira de Carvalho
Miguel de Sepúlveda Velloso
Pedro Jordão
Rosa Casimiro
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