A Organização Marítima Internacional (OMI) da ONU acaba de concordar em começar a cobrar aos navios pelos gases com efeito de estufa que emitem. Após décadas de ajustes incrementais ineficazes às emissões dos transportes marítimos, o avanço aconteceu a 11 de Abril numa cimeira em Londres. O transporte marítimo passa a ser o primeiro sector sujeito a um preço de emissões a nível mundial – e juridicamente vinculativo.
O aspecto positivo é que conseguir qualquer tipo de acordo é uma grande vitória para a acção climática multilateral, especialmente tendo em conta dois fortes ventos contrários.
No seio da reunião, a Arábia Saudita e outros dos chamados petroestados – países cuja economia é pouco diversificada e altamente dependente da extracção e exportação de petróleo –, bem como a China e o Brasil, opuseram-se a uma acção ambiciosa. Em segundo lugar, os EUA já se tinham retirado das negociações. Mesmo assim, do lado de fora da reunião, a guerra tarifária da administração americana e a ameaça explícita de retaliação contra os Estados que apoiam um regime de preços de transporte marítimo poderiam ter afectado muito mais as conversações.
Não é possível afirmar com certeza que este acordo pode ser considerado um sucesso. Embora haja pouco negacionismo sobre as alterações climáticas na OMI, a “negação da mitigação” parece estar bem viva e com óptima saúde. A negação da mitigação significa fazer promessas grandiosas, muitas vezes em conformidade com as provas científicas, mas não adoptar medidas concretas capazes de cumprir esses objectivos. Foi exactamente isso que os países petrolíferos pressionaram a OMI a fazer na cimeira em Londres.
Em última análise, a OMI falhou redondamente com os países mais vulneráveis às alterações climáticas, ao favorecer uma transição mais gradual e menos segura para o transporte marítimo com baixas emissões de carbono. Aliás, na realidade, está mesmo a fazer com que sejam estes países a pagar efectivamente o preço desta tímida transição.
Quais são as medidas?
O acordo da OMI introduz uma norma global de combustível para o transporte marítimo, com sanções financeiras para os navios que não cumpram os objectivos de emissões. Trata-se concretamente de um regime de comércio de carbono.
Estabelece dois objectivos, pretendendo-se que fiquem mais robustos a cada ano que passa: um nível “de base” e um nível mais rigoroso de “cumprimento directo”. Os navios que não atingem o objectivo directo têm de comprar “unidades de reparação”, e outras “multas” mais caras ainda se também não atingirem o nível de base. Os navios que ultrapassam os seus objectivos ganham “unidades excedentárias”, que podem trocar ou poupar durante um período máximo de dois anos.
Na prática, isto significa que as empresas e os países que puderem investir em novas tecnologias receberão um duplo dividendo: não pagarão pelas emissões e serão recompensados pela utilização de combustíveis com baixo teor de emissões.
Ao mesmo tempo, os países e as companhias de navegação que não dispõem de meios para investir subsidiarão efectivamente os pioneiros, pagando multas que os recompensam.
Quase nenhuma receita estará disponível para a prometida transição “justa e equitativa” que garantiria que nenhum país fosse deixado para trás. Assim, não admira que quase todos os delegados dos países vulneráveis do Pacífico tenham optado por se abster na votação da OMI.
Para um navio típico que utilize fuelóleo pesado em 2028, esse valor é de cerca de 25 dólares (22 euros) por tonelada de gases com efeito de estufa. Este valor é muito inferior ao necessário para promover uma transição rápida para combustíveis mais limpos. Também ainda não se sabe exactamente como será utilizado o dinheiro angariado.
Um navio de carga deixando o rasto de poluição
Diego Cardini/GettyImages
Os delegados também concordaram em actualizar a política de “intensidade de carbono” da OMI, que exige agora que os navios sejam 21,5% mais eficientes em termos de combustível até 2030, em comparação com 2019. Trata-se, no entanto, de uma melhoria modesta de 2,5% por ano.
Os Estados insulares do Pacífico e o Reino Unido estão entre os que defendem no que se refere ao capítulo da evolução na eficiência (até 47%). A China insistiu nos 15% e a UE propôs uns surpreendentemente baixos 23%. O resultado final de 21,5% é um mau compromisso que não reflecte as recomendações científicas sobre o cumprimento dos objectivos da OMI ou o que é possível fazer com a tecnologia disponível.
Acção climática na OMI
Esta luta geopolítica remonta a décadas. Na sequência da adopção do Protocolo de Quioto (um precursor do Acordo de Paris) em 1997, a ONU encarregou a OMI de reduzir as emissões dos navios.
Após duas décadas de poucos progressos, em 2018 a OMI acabou por estabelecer o fraco objectivo de reduzir as emissões em 50% em relação aos níveis de 2008. Em 2023, esse objectivo foi reforçado para emissões líquidas nulas “até 2050 ou por volta dessa data”, com objectivos intermédios de cortes de 20-30% até 2030 e de 70-80% até 2040.
Mais importante ainda, a estratégia para 2023 também se comprometeu a adoptar medidas juridicamente vinculativas em Abril de 2025 para cumprir estes objectivos. Isso já aconteceu.
Tendo em conta este historial, as novas medidas constituem um progresso. No entanto, o seu sucesso tem de ser avaliado em função da sua capacidade para cumprir efectivamente os objectivos da OMI.
O objectivo para 2030 é especialmente importante, uma vez que os danos climáticos são proporcionais às emissões acumuladas ao longo do tempo, pelo que é importante reduzir as emissões o mais rapidamente possível. Se o sector do transporte marítimo não cumprir o seu objectivo para 2030, poderá ter emitido demasiado carbono para poder contribuir de forma justa para o Acordo de Paris.
Os académicos da UCL (London’s Global University) analisaram o novo acordo da OMI. Calcularam que as novas políticas, infelizmente, apenas permitirão apenas uma redução de 10% até 2030 – o que não se aproxima sequer do objectivo de 20% estabelecido pela OMI, quanto mais do objectivo “ambicioso” de 30%.
Negacionistas da mitigação?
Na reunião de encerramento da OMI, Harry Conway, presidente do Comité de Protecção do Ambiente Marinho, ergueu um copo de água e observou que, no início da semana, o copo estava vazio, mas agora está meio cheio. Como argumento político, essa imagem pode funcionar. Mas quando se trata de definir um caminho claro e ambicioso para o futuro, as medidas ficam muito aquém.
A estratégia de 2023 exigia que as nações se “esforçassem” por reduzir as emissões em 30% até 2030. A reunião da semana passada poderá levar a uns meros 10%. Mais uma razão para os delegados do Pacífico se absterem de votar. Há muito mais esforço a fazer – e a concretizar.
Na realidade, está agora em risco uma via credível para atingir o objectivo de emissões líquidas nulas até 2050. A forte resistência dos EUA, da Arábia Saudita, da China e do Brasil e a fraca liderança da UE tiveram um papel importante. Até mesmo a adopção destas medidas modestas – que requerem uma votação em Outubro – e a especificação de “directrizes” operacionais posteriores será uma batalha difícil.
Exclusivo Azul/ The Conversation
Christiaan De Beukelaer é professor de cultura e clima na Universidade de Melbourne
Simon Bullock é investigador em transporte marítimo e alterações climáticas na Universidade de Manchester
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