A taxa de suicídio na medicina veterinária é um problema global. Mas, em Portugal, continuamos a não falar disto.
A comunidade internacional Not One More Vet (NOMV) nasceu em 2014, após o suicídio da médica veterinária Sophia Yin. A missão: quebrar o silêncio. Em 2024, a comunidade celebrou dez anos — apoiando dezenas de milhares de profissionais. Em Portugal, o silêncio mantém-se.
Os números são brutais. Um estudo nacional revelou que 87% dos médicos veterinários apresentam sintomas de stress, e 25% sinais clínicos de depressão ou ansiedade severa. A taxa de suicídio é 3,5 vezes superior à da população geral.
Porquê? Porque somos invisíveis. Trabalhamos pela saúde pública, segurança alimentar, prevenção de zoonoses e bem-estar animal. Mas somos uma classe esquecida — pela sociedade, pelo Estado e, muitas vezes, pelos próprios pares. Não há internato, tutoria ou plano de acolhimento para recém-formados. Terminamos a formação e somos lançados para um mercado saturado, precário e desregulado. Com salários baixos, jornadas longas e pressão emocional constante.
Num só dia, o médico veterinário faz consultas de clínica geral, ortopedia, dermatologia, comportamento, urgências. Diagnostica, opera, trata, comunica com os tutores — e tenta não falhar, porque “é o cão da família” ou “o gato do filho”. A responsabilidade é imensa. E os recursos são escassos. E há a eutanásia. Chamemos-lhe o que for: dar descanso, evitar sofrimento, decisão médica. No fim do dia é um ato de morte executado por quem também sentiu carinho por aquele animal. Um ato técnico que fere emocionalmente — e que se repete, sem tempo para processar ou curar.
Ninguém nos prepara para isto. E quando o sofrimento nos quebra, somos vistos como fracos. Não há tempo para parar. E quando paramos, já é tarde. O problema não é só individual. É sistémico. Falta estrutura, apoio psicológico, planos de prevenção, formação em gestão emocional. Sobram burnout, agressões de tutores, desvalorização profissional e solidão clínica.
Neste contexto, o argumento do “amor à profissão” esgota-se. Porque uma profissão que exige amor absoluto mas não devolve dignidade, está a roubar amor-próprio. Hoje, o que os médicos veterinários gritam não é um lamento. É um pedido de socorro. A quem quiser ouvir — e a quem continua a fingir que não sabe.
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