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Deixa as pessoas! | Opinião

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Em seu livro Sedução do Minotauro, a escritora franco-americana Anais Nin escreve: “Nós não vemos as coisas como elas são, vemos as coisas como nós somos”. Para além do conteúdo existencial, a frase tem fundamentos na ciência que estuda o cérebro. O neurocientista britânico Anil Seth, diretor de pesquisas e autor de livros sobre como o esse órgão funciona, desvendou melhor essa questão em um artigo publicado no jornal Newsportu: “O mundo objetivo existe, mas a maneira como nós o experimentamos é uma construção ativa, uma espécie de ‘alucinação controlada’, na qual o cérebro usa sinais sensoriais para atualizar e calibrar sua melhor interpretação do que está acontecendo. O que nós vivemos é essa interpretação, não uma ‘leitura’ das informações sensoriais”.

Nos incríveis documentários Your Brain, Perception Deception e Your Brain: Who´s in Control?, da NOVA PBS, vários cientistas explicam que o que vemos não é necessariamente a realidade, porque nossos cérebros preenchem espaços. Lembra daquela polêmica sobre o vestido azul ou dourado que ganhou a internet em 2015? É mais ou menos essa a ideia. Algumas pessoas realmente viam azul e outras, dourado, de acordo com algumas variáveis, como a luz de onde estavam, e a constituição de seus cérebros.

“Somos praticamente cegos para 99,9% do mundo a nossa volta o tempo todo”, afirma o americano Stephen L. Macknik, professor de Oftalmologia da SUNY Downstate Health Sciences University, de Nova York. O que vemos é baseado em modelos de como o mundo funciona juntamente com algumas peças de informação visual de alta qualidade.

Os neurônios traduzem em sinais eletroquímicos as sensações que recebemos do mundo, como calor, sons, luz e pressão. Todo esse processamento cria uma versão editada da realidade. Estresse e traumas de nossos antepassados podem estar gravados em nosso DNA, segundo a pesquisadora americana Bianca Jones Marlin, da Universidade Colúmbia. Até mesmo nossas memórias são alteradas a cada vez que as acessamos.

Para além das questões científicas superinteressantes, ler o texto de Anil Seth e assistir a esses documentários abre espaço para diversos questionamentos muito importantes hoje. Saber que nossa percepção do mundo está longe da realidade deveria nos deixar mais humildes, nos trazer a consciência de que não somos donos de uma verdade absoluta. “Gostamos de pensar que estamos no controle de nossas emoções, habilidades e desejos”, afirma o pesquisador Narayanan Kasthuri, da Universidade de Chicago, no documentário da PBS. Mas existem várias forças escondidas, de traços genéticos a contatos sociais, de lembranças de infância às emoções dos outros, que afetam nossas decisões.

O mundo não é exatamente o que vemos e sentimos, e o que vemos e sentimos depende de quem somos. Nossas percepções são formadas de acordo com nossas bolhas mentais — quase como um espelho do que acontece com as redes sociais, que nos mostram apenas o que é importante em nosso mundinho.

Para escaparmos desse círculo vicioso, primeiro temos que perceber que estamos nele, afirma Seth. Mas por que sair dessas bolhas? Porque o mundo é muito maior do que compreendemos sobre ele. Nossas certezas são forjadas por essa visão pequena, estreita e invariavelmente preconceituosa, porque formada a partir do que já percebemos e entendemos.

Uma vez, no meio de uma conversa sobre polarização política, uma amiga querida perguntou sinceramente: “Mas por que nós temos tanta certeza de que estamos certos e o outro lado está errado?” Não temos, mas pelo menos ela abriu um espaço para uma dúvida saudável.

Na minha humilde opinião, o fato de estarmos conscientes de que não termos muita certeza sobre nada, já que tudo o que sabemos é uma percepção pouco precisa do cérebro, melhora nossa compreensão dos outros e do mundo, aumenta a empatia por outras maneiras de pensar, mesmo aquelas com as quais não concordamos, e ajuda a encontrar soluções para problemas que parecem gigantes.

Se não temos certeza de nada, tudo é apenas percepção da nossa mente, por que tem tanta gente querendo controlar a vida e o corpo dos outros? Por que querem dizer qual a melhor religião, quem as pessoas devem amar, se devem ou não ter um filho, se a roupa está curta, se fulano está gordo ou magro, velho ou grisalho? O funkeiro carioca Mr. Catra, morto em 2018, disse uma frase que eu adoro: “Deixa os gay ser gay, deixa os gordos comer, deixa as minas dar, deixa eu ter meus filhos. Deixa as pessoas!”

#Deixa #pessoas #Opinião

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