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O modelo e psicólogo Gabriel Soares, 27 anos, começou, há mais de um mês, seu périplo para garantir o direito de votar nas eleições municipais (autárquicas) de Portugal, marcadas para 12 de outubro. Nas várias vezes em que se dirigiu à União das Freguesias de São Mamede de Infesta e Boa Hora, no Porto, para se inscrever, a resposta foi sempre a mesma: a de que ele não tinha direito ao benefício.
“Em todas as vezes que fui à Junta da Freguesia, me disseram que não era possível votar. Afirmaram que ainda demoraria muito para eu ter o direito de participar nas eleições em Portugal”, diz. Mesmo insistindo com os funcionários da representação pública, que corresponde a uma subprefeitura no Brasil, o jovem acaba se frustrando e o temor dele de ficar de fora da lista de eleitores só aumentava, pois o tempo estava correndo: o recenseamento feito pelas Juntas de Freguesias acaba em 12 de agosto.
Nesta segunda-feira (04/08), Gabriel insistiu mais duas vezes com a União das Freguesias de São Mamede de Infesta e Boa Hora para exercer seu direito. “Da primeira vez, falaram que era impossível eu me registrar, porque a lista do recenseamento eleitoral já tinha sido enviada para Lisboa”, conta. Da segunda, com a legislação em punho, finalmente ele conseguiu se inscrever. “Foi difícil, mas valeu a pena”, ressalta.
Por lei, brasileiros que moram, legalmente, em Portugal há mais de dois anos podem requerer o direito a voto nas eleições municipais — e Gabriel está há três em território luso, com toda a documentação em dia. Também há a possibilidade de se recorrer ao estatuto de igualdade política, conforme o Acordo de Porto Seguro assinado entre Brasil e Portugal, que estende o mesmo direito aos portugueses que vivem do outro lado do Atlântico.
Ensinando a legislação
Daniel Domingos, presidente da Casa do Brasil de Coimbra, também enfrentou dificuldade para garantir o direito de voto nas eleições municipais, nas quais são definidos prefeitos (presidentes de Câmaras), vereadores e representantes das Juntas de Freguesias. Foi preciso que ele entregasse pessoalmente a legislação no seu local de inscrição para que, enfim, conseguisse ter acesso ao benefício. “Foi necessário um mês para que tudo se resolvesse”, relata.
Apesar do tempo curto para o registro dos imigrantes, Domingos acredita que ainda pode ajudar quem estiver interessado em ir às urnas neste ano. Ele conta que, tão logo viu o relato de Gabriel nas redes sociais, encaminhou a legislação à União das Freguesias de São Mamede de Infesta e Boa Hora, o que ajudou o rapaz. Para o presidente da Casa do Brasil, é fundamental que todos os imigrantes que têm direito ao voto possam exercê-lo. Não por acaso, encabeça uma campanha nesse sentido.
“Até agora, sete brasileiros entraram em contato conosco para informar que estão tendo dificuldade nas Juntas de Freguesia para fazer a inscrição para votar”, relata. Ele tem tentado explicar a legislação a funcionários responsáveis pelos registros de imigrantes para as eleições. “Envio o decreto que trata do assunto e o post da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) chamando os imigrantes para o recenseamento eleitoral. E explicamos tudo”, afirma.
Pelos cálculos da AIMA, há 1,6 milhão de imigrantes vivendo legalmente em Portugal, dos quais, segundo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, os brasileiros são mais de 550 mil. Em várias regiões do país, os estrangeiros já representam parcela importante da população, podendo ser decisivos em eleições muito disputadas.
Várias nacionalidades
O presidente da Casa do Brasil de Coimbra não está sozinho na campanha para garantir o direito de voto aos imigrantes. “Começamos nosso trabalho há duas semanas, em conjunto com o Vozes de Coimbra e o Como Vota, além de outros coletivos”, explica. Esse movimento, acrescenta ele, está se disseminando por todo o país.
Em Lisboa, a Casa do Brasil de Lisboa publicou em suas redes sociais um guia para orientar os imigrantes a votarem nas eleições municipais. Também o Instituto Brasil aderiu à campanha para que mais imigrantes votem. Em Braga, onde vivem cerca de 20 mil brasileiros, a associação UAI está incentivando a todos se inscreverem nas respectivas Juntas de Freguesias.
Além dos brasileiros, os cabo-verdianos podem votar nas autárquicas depois de dois anos com autorização de residência em Portugal. Outras 25 nacionalidades — entre elas, argentina, chilena e venezuelana — têm de comprovar três anos de residência legal no país para exercer o direito cívico. Já para cidadãos da União Europeia, basta ter residência legal no país, isto é, título de residência válido para escolher seus representantes.
Trabalho ainda sem efeito
Da parte do Governo, houve um trabalho no sentido de informar os imigrantes de que têm direito ao voto. Há um mês, a AIMA publicou um comunicado sobre quem tem direito ao voto e como se inscrever nas Juntas de Freguesia.
Mais recentemente, a AIMA divulgou as mesmas informações em francês, para convocar os falantes da língua para participar do pleito marcado para 12 de outubro. Esses esclarecimentos, porém, ainda não chegaram na ponta no serviço público, responsável pelo recenseamento dos eleitores. Não na proporção desejada pela agência.
Questionada pelo PÚBLICO Brasil sobre o que ainda é preciso ser feito para informar as Juntas de Freguesia sobre o cadastramento de eleitores, a AIMA não respondeu até o fechamento desta edição. O recenseamento eleitoral acontece num momento de forte crescimento do movimento anti-imigração em Portugal.
Em 16 de julho, a Assembleia da República aprovou, com o apoio dos partidos que dão suporte ao Governo — PSD e CDS — e da direita populista radical um pacote anti-imigração que restringe direitos de imigrantes, sendo os brasileiros os mais afetados. O pacote foi encaminhado ao Tribunal Constitucional pelo Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para que seja avaliada a legalidade das alterações feitas na Lei de Estrangeiros. O posicionamento do Tribunal deve sair ainda nesta semana.
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