O programa eleitoral do PS é bom e fala também para quem está contente com este Governo, o que é uma grande mudança, bastante curiosa.
Para além de várias medidas genuinamente de esquerda, como o IVA zero nos produtos essenciais, a redução do IVA da electricidade e o controlo do preço do gás, o aumento progressivo do salários mínimo, faz uma inversão estratégica para piscar o olho ao eleitorado que está satisfeito com a AD: não vai mexer na isenção do IMT do imposto de selo para os jovens na compra da habitação. Não faz cair o IRS Jovem, quer apenas “ajustes”.
Para um partido que quase deixou de ter jovens eleitores – como mostram as sondagens – a reversão da posição percebe-se. Não é lá muito de esquerda, mas é aquilo que a direita gosta no PS: o “centrismo”.
É verdade que, para que desaparecesse a acusação de que Pedro Nuno Santos é um radical (feita pela direita, por comentadores de direita e até alguns socialistas), o secretário-geral do PS, para ficar definitivamente livre da maldição, teria de pedir uma ficha de militante no PSD. Não é provável que vá acontecer.
Mas percebe-se que a AD fica em estado ligeiramente catatónico com o programa do PS quando se socorre da alegada “arma de destruição maciça” que é Sócrates. Não o Sócrates cuja reputação já estava manchada em 2009 e que ganhou as eleições – aliás, aqui Montenegro tenta mimetizá-lo.
A esta fase de Sócrates, a que corresponderam dúvidas éticas bastante complexas, o povo não ligou, como já aqui escrevi. A tese que pegou foi “Sócrates levou o país à bancarrota”. Foi um slogan de sucesso. Ninguém se importou com a existência de uma crise financeira internacional e muito menos se lembra que a primeira decisão da Comissão Europeia, quando começaram a chegar à Europa os péssimos ventos da América, foi a de gastar para tentar estancar a crise.
O julgamento popular absolveu Sócrates de uma data de trafulhices em 2009 e culpou-o pelo colapso dos bancos americanos que redundou na maior crise depois de 1929 e ia acabando com o euro. Os julgamentos populares são assim: obedecem a emoções.
A AD pode ter ficado abalada depois de ter visto o programa do PS. Eu se fosse Luís Montenegro teria algum pudor em falar em Sócrates. Mas não foi isso que aconteceu: ainda mal Pedro Nuno Santos tinha acabado de apresentar o programa do Governo, já Montenegro sacava da carta Sócrates, acusando o secretário-geral do PS de “à boa maneira de um ex-primeiro-ministro chamado José Sócrates, prometer tudo a toda a gente (…) não tendo consciência que esse é o primeiro passo no caminho para o empobrecimento”.
Este domingo, o ministro Castro Almeida foi mais longe. “Se este programa alguma vez fosse aplicado (…) Pedro Nuno Santos seria o novo José Sócrates”.
Mais: aproveitando-se do facto de Fernando Medina ter recusado integrar as listas, Castro Almeida apostou na divisão entre o “PS de contas certas” (a que pertenceria o ex-ministro das Finanças Fernando Medina) e o de Pedro Nuno, “que é o grau zero da responsabilidade política e financeira”, afirmando não ter sido “por acaso que Fernando Medina não esteve presente na apresentação”. Já se viu que a AD vai recorrer à dicotomia “socialistas bons” (os que se afastaram do secretário-geral, como foi o caso de Sérgio Sousa Pinto esta semana) e “socialistas maus”.
Como Ângela Silva disse na SIC-Notícias na semana passada, o comício do Bolhão para as legislativas e autárquicas (a candidatura do ministro Pedro Duarte à Câmara do Porto), organizado com o nome de “Conselho de Ministros” para enganar ingénuos, já era um sinal de “desespero”. A carta Sócrates veio confirmar a situação.
E, no entanto, nada indica que a AD tenha razões para tamanho desespero. É a mais provável vencedora das eleições de 18 de Maio. É verdade que o empate técnico continua a ser uma constante nas sondagens, a AD não se distanciou do PS o suficiente e a quantidade de indecisos é enorme.
No entanto, apesar do caso Spinumviva e dos pareceres da Câmara de Espinho a favor da ABB, a imagem de Montenegro é melhor do que a de Pedro Nuno. Na última, só 24% das pessoas se manifestavam contra o Governo. A maioria dizia que o Governo era “razoável” e o razoável, em português, significa bom.
Vamos ter uma surpresa na noite das eleições? Os debates parecem vir a ser decisivos para o resultado.
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