Saúde Mental
O receio sobre os efeitos secundários da pílula é antigo, mas na última década as receitas médicas deste anticoncepcional têm diminuido, nomeadamente na Europa Ocidental, onde as mulheres mais jovens estarão a ser influenciadas pelas questões divulgadas nas redes sociais em relação ao impacto na saúde mental.
Patricio Nahuelhual // GETTY IMAGES
A pílula é o contracetivo mais usado pelas mulheres desde tenra idade, antes mesmo, por vezes, de iniciarem a vida sexual. Nos últimos anos, tem surgido uma preocupação generalizada com os efeitos secundários da pílula a nível da saúde mental, principalmente por causa das redes sociais. No entanto, os estudos que existem não têm conclusões lineares e a contraceção oral continua a ter, para muitas mulheres, mais benefícios do que qualquer potencial efeito secundário.
A folha de papel, também conhecida por bula, que acompanha cada embalagem deste contracetivo, enumera todos os potencias efeitos secundários da toma, que vão desde tromboses, até à depressão. Também nas redes sociais se tem levantado e partilhado estas preocupações, com hashstags como #quittingbirthcontrol.
“Constatamos que as redes sociais consolidam a construção social dos perigos associados à pílula contraceptiva, remodelando a perceção de risco das mulheres jovens, de questões relacionadas com a fiabilidade e segurança dos medicamentos para questões de bem-estar físico, mental e social. Lançamos luz sobre a forma como as redes sociais contribuem para a deslegitimação dos profissionais de saúde, como ginecologistas e médicos de clínica geral, e contribuímos para debates mais alargados sobre a erosão da autoridade médica e a consequente ascensão dos influenciadores dos pares”, pode ler-se no artigo científico.
Quem produz este tipo de conteúdo fala em problemas associados à toma da pílula como infertilidade ou mesmo alterações no comportamento sexual (ambos problemas que a comunidade médica dizem que não existem evidências causais diretas, mas ressaltam que na questão da libido, é algo que ainda está a ser estudado, já que várias mulheres sentem que a pílula impactou o seu desejo sexual).
Mas o que é que a pílula faz ao corpo e à mente?
As pílulas contracetivas são feitas de hormonas sexuais sintéticas/artificiais e previnem a mulher de engravidar, principalmente através da interrupção da ovulação, mas estas hormonas não afetam apenas o corpo.
“O impacto das hormonas no cérebro é complicado”, diz Johannes Bitzer, ginecologista e psicoterapeuta do Hospital Universitário de Basileia, na Suíça. “Para algumas pessoas, a pílula tem um efeito positivo no bem-estar mental. Noutras, pode causar irritação e até ansiedade.”
A pílula de facto afeta o humor e a cognição de quem toma, uma vez que afeta a produção natural das hormonas estrogénio e progesterona, que têm papéis essenciais no cérebro, incluindo na parte cognitiva e efeitos neuroprotetores.
Como as pílulas são versões sintéticas das hormonas que o corpo feminino produz naturalmente, acabam por perturbar o ciclo menstrual, uma vez que não são quimicamente idênticas às que o corpo produz. Destas hormonas artificiais, por exemplo, a maioria da progesterona é feita a partir da testosterona.
As hormonas artificiais têm, portanto, várias consequências, uma delas sendo a interrupção da ligação das vias que envolvem o neurotransmissor da seratonina – conhecida como “hormona da felicidade”. Um estudo dinamarquês analisou scans cerebrais de 53 mulheres, 16 das quais tomavam a pílula, e verificaram que as que estavam a tomar o contracetivo oral tinham entre 9 a 12% menos níveis de seratonina, comparadas às que não estavam a tomar a pílula.
Há ainda evidências de que as hormonas artificiais podem interferir com a produção de alopregnanolona, outra hormona com papéis fundamentais no cérebro, como a regulação do humor e a resposta do corpo ao stress.
Para as mulheres que não toma a pílula, o corpo converte a sua produção natural de progesterona em alopregnanolona, mas as mulheres que tomam, não têm este processo de conversão, ou seja, ficam sem benefícios do próprio corpo que têm efeitos calmantes e antidepressivos.
“O que os investigadores descobriram é que a resposta do cortisol ao stress, que a maioria das mulheres com ciclos naturais experimenta, é atenuada”, explica Sarah E Hill. “Sem cortisol é igual a sem stress, o que pode parecer uma coisa boa à primeira vista. Mas não é assim que funciona – o cortisol não é a causa do stress, é a forma como o nosso corpo ajuda a lidar com o stress e a recuperá-lo”, acrescenta a autora do livro “How the Pill Changes Everything”.
Falta conhecimento e sensibilização
As advertências médicas relativas aos efeitos secundários mentais da pílula têm sido escassas. A comunidade médica pouco ou nada fala destes potenciais efeitos às pacientes, mas as bulas, na sua maioria, têm advertências sobre estes efeitos.
“Penso que o grande problema é que na formação em ginecologia e obstetrícia, a saúde mental não é um tema. É para os psiquiatras”, diz Bitzer, que está na área há quase 40 anos. As coisas estão a mudar lentamente, mas “antes, quando discutíamos a pílula, falávamos de trombose, cancro, hemorragias irregulares, aumento de peso, etc. A questão da saúde mental estava mais ou menos excluída”.
Porém, o verdadeiro problema está na falta de investigação. Apenas em 2016 é que se começou a prestar atenção aos efeitos secundários ao nível mental da pílula, quando saiu um estudo dinamarquês, que descobriu que mulheres que começaram a tomar a pílula tinham mais 70% de probabilidade de serem medicadas com anti-depressivos seis meses depois, comparadas com as que nunca tomaram contracetivos orais.
Outro estudo de 2023 concluiu que 71% das mulheres que tomam contracetivos orais têm maior probabilidade de desenvolverem depressão dois anos depois de iniciarem a toma.
“Existe uma associação temporal credível entre o início da utilização destes produtos e o desenvolvimento de sintomas de depressão”, afirma Øjvind Lidegaard, médico epidemiologista, especializado em obstetrícia e ginecologia, da Universidade de Copenhaga, que dirigiu o estudo dinamarquês.
Estes estudos, no entanto, ao analisarem grandes grupos de mulheres, não tinham dados do histórico médico de cada uma para garantir que não havia diferenças preexistentes entre os dois grupos em análise (as que tomam a pílula e as que não tomam), ou seja, foram capazes de identificar se existia uma associação entre estes dois fatores (quem toma e quem não toma), mas não de determinar se existia uma causa e um efeito.
Resultados díspares e dificuldades nos estudos
A pílula tem uma forte presença no mercado farmacêutico, com muitas marcas de pílulas em circulação, coisa que complica a investigação, e os problemas de saúde mental são algo bastante difícil de estudar.
Também as mulheres têm um historial médico e social que influencia diretamente os resultados destas análises e que não são levados em conta, e que afetam diretamente os resultados. Os próprios estudos variam muito em termos de metodologias, amostras e análise, dificultando a possibilidade de se verificar um padrão.
“O facto de serem receitados antidepressivos não está necessariamente relacionado com um diagnóstico de depressão, mas com a prática do médico, o que torna a análise de resultados bastante problemática”, adianta Johannes Bitzer.
Há, portanto, estudos contraditórios na correlação entre o uso da pílula e problemas de saúde mental. Investigadores da Universidade Estatal de Ohio analisaram 26 outros trabalhos e encontraram “uma associação mínima entre os métodos (contraceptivos) que utilizam apenas progesterona e a depressão”, e dois ensaios clínicos, cada um com uma amostra de 200 a 340 mulheres, na Suécia, concluíram que a pílula combinada não conduziu à depressão ou agravamento do humor.
No entanto, alguns estudos indicam que a pausa da pílula (normalmente de sete dias), pode levar a variações de humor e um pequeno aumento da ansiedade.
“Não há dúvida de que algumas mulheres que começam a usar contraceção hormonal sofrem alterações graves na saúde mental”, diz Lidegaard. “No entanto, é importante perceber que apenas 7 a 8% das mulheres que tomam a pílula têm problemas mentais graves, ao ponto de serem obrigadas a deixar de tomar a medicação… A maioria das mulheres que toma estes produtos não sente qualquer desconforto mental grave.”
Os efeitos secundários, muitas vezes, pesam menos na balança que os benefícios que a pílula traz às mulheres.
“Se tem endometriose, hemorragias pesadas ou perturbação disfórica pré-menstrual (o extremo da conhecida TPM), a pílula pode ajudar a melhorar a situação”, diz Kopp Kallner.
Riscos na adolescência
O estudo de Lidegaard revelou ainda que as raparigas com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos tinham quase o dobro da probabilidade (1,8 vezes) de receber uma prescrição de antidepressivos depois de iniciarem a pílula combinada, em comparação com as que não tomavam a pílula, e as que tomavam a minipílula, o risco era mais do dobro (com 2,2 vezes mais probabilidades).
Outro estudo mostrou ainda que as mulheres que já tomaram contracetivos orais têm mais probabilidade de desenvolver depressão durante a vida, e que quem já tem histórico de depressão, tem ainda mais as probabilidades de voltar a ter ou ampliar a depressão.
A toma da pílula, principalmente por haverem tantas no mercado, é algo individual. A mulher deve supervisionar o próprio corpo e sintomas. Se reagir mal a uma, deve falar com o seu médico e mudar para outra, até encontrar aquela a que o seu corpo se adapta melhor.
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