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Esquerda, uma casa a arder | Megafone

Olho para a forma como a esquerda tem feito a última década como quem olha para uma casa a arder. Vejo as chamas do ódio atiçadas pela direita radical a consumir o debate público por um lado e o espaço político por outro, enquanto oferecem soluções de vinte segundos para problemas complexos que levaram décadas a formar-se. Enquanto assisto à devastação pergunto-me, Onde estão os bombeiros? A esquerda, que historicamente deveria ser a primeira a chegar com a água e o machado, parece ter-se perdido no caminho, mais preocupada em redesenhar o logótipo da corporação com cores mais alegres do que em apagar o fogo.

A crise da esquerda, em Portugal e um pouco pelo mundo fora, não é só de eficácia, é de identidade e é de foco. A esquerda vive hoje em dia numa espécie de deriva estratégica. Numa linguagem mais liberal, é como se a gestão de topo tivesse decidido abandonar o core business e se tivesse dedicado a um spin-off.

Mas é preciso ser claro aqui, o produto principal da esquerda sempre foi a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores e a melhoria das condições de vida de quem tem menos. Era esta a sua razão de existir e parece-me que a certa altura a esquerda entendeu que os trabalhadores já estavam no papo, ninguém os defenderia sem ser a esquerda. E, como tal, foi procurar novos públicos e parece agora mais interessada em mercados de nicho, em causas fracturantes que, sendo justas, dizem pouco à esmagadora maioria da população que luta para pagar as contas ao fim do mês.

Não é raro vermos a esquerda a travar lutas por minorias que as próprias minorias não querem. Enquanto a esquerda parece fixada em insistir na estratégia e continuar discutir a pureza ideológica em debates que são abertos mas a que apenas militantes vão, o cidadão comum, o trabalhador, o antigo cliente fiel da esquerda, sente-se abandonado.

O seu problema não é o pronome neutro; é o salário que não estica, a renda que o expulsa da cidade onde sempre viveu, a consulta que leva meses sem fim e o medo de que os seus filhos vivam pior do que ele. A esquerda trocou a luta de classes pela gestão de narrativas, e o resultado está à vista: os seus antigos eleitores procuram outras soluções, muitas vezes mais perigosas e simplistas.

Como sabemos, na política, os vazios são sempre preenchidos por alguém. E quem o tem preenchido não nos augura nada de bom. A extrema-direita, que oferece respostas perigosamente simplistas para ansiedades reais e outras criadas por si própria e pelo sensacionalismo do jornalismo que tem que comer para sobreviver, tem canalizado este enorme descontentamento para o seu moinho, garantindo votantes e, sobretudo, mudança ideológica nos partidos do centro que, na realidade quem mais garantir o poder do que impor a sua ideologia.

Se a esquerda não regressar urgentemente ao seu core business – voltar a ser a voz inequívoca de quem trabalha e de quem sente na pele as desigualdades – arrisca-se a tornar-se irrelevante, com todas as consequências que isso trará. Continuará a ter razão em muitas coisas, mas de que serve ter razão sem ninguém que nos ouça? É tempo de voltar à base, ao terreno, e de voltar a falar com quem mais precisa de nós. O resto, que eu próprio defendo com unhas e dentes? Francamente, vai ter que esperar. A casa está a arder.

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