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Gaza e os neonegacionistas da barbárie | Opinião

“Não existe Auschwitz em Gaza, mas não deixa de ser genocídio”
Daniel Blatman e Amos Goldberg, historiadores do Holocausto

O artigo “Fome em Gaza foi mais um pretexto para desinformação em tempo de guerra” (PÚBLICO, 27/7/2025) dá conta de uma onda de desinformação nas redes sociais a contestar a veracidade de fotografias que ilustram a situação de fome extrema em Gaza, em particular imagens dramáticas de crianças que fizeram capa em jornais de todo o mundo. Os riscos da manipulação de imagens com recurso a Inteligência Artificial no contexto do negacionismo histórico, em particular do Holocausto, foram sumarizados num artigo do Times of Israel que remete para um alerta do museu de Auschwitz que refere a divulgação nas redes sociais de fotografias editadas de vítimas com o objetivo de falsificar a História com recurso a deepfakes e negar as atrocidades nazis.

No caso presente do genocídio em Gaza em todas as suas vertentes, nomeadamente o uso da fome como arma de guerra, existe uma tentativa de negar a realidade da barbárie que nos chega diariamente em live-streaming. E a realidade é que, de 20 a 30 de julho, o número de mortes pela fome subiu de 18 para 150, enquanto que desde 27 de maio cerca de 1400 palestinianos foram mortos pelas IDF quando se dirigiam para os postos de abastecimento da Gaza Humanitarian Foundation. Até 2 de agosto o número de vítimas das IDF era de 60.249 mortos e 147.089 feridos. Na edição de 30 de Julho, o Washington Post publicou a lista dos nomes de 18.500 crianças mortas. Esta é a realidade.

A desinformação sobre Gaza faz parte de uma estratégia negacionista de Israel por via da publicação de estudos a contestar a realidade, propaganda difundida em murais de organismos estatais e recurso a ativistas travestidos de jornalistas e comentadores televisivos “independentes”. O estudo “Debunking the Genocide Allegations: A Reexamination of the Israel-Hamas War (2023-2025)“, publicado a 9 de julho passado, da autoria dos historiadores militares Danny Orbach e Yagil Henkin, do bioquímico e epidemiologista Jonathan Boxman e do advogado Jonathan Braverman, assume-se como uma crítica ao relatório “Bearing Witness to the Israel-Gaza War”, do historiador Lee Mordechai, que compilou uma base de dados de vídeos, fotografias, testemunhos, relatórios e documentos de investigação sobre os crimes de guerra das IDF.

A conclusão dos quatro autores é que ainda é cedo para formar uma opinião do que se passa em Gaza, mas sempre vão dizendo que não há fome nem massacres, todos mentem. A agência Coordination of Government Activities in the Territories (COGAT), tutelada pelo Ministério da Defesa, tem vindo a divulgar no seu mural a tese de que a maioria das crianças que aparecem nas imagens são provenientes do Iémen e da Síria e que os corpos esqueléticos das crianças palestinianas se devem a comorbilidades genéticas, tese que é replicada no mural e na rede social X do “jornalista de investigação” David Collier.

Nesta linha de desinformação tem também sido protagonista o embaixador de Israel em Portugal que, num périplo pelas televisões e jornais, veio afirmar num registo cínico e no limite da obscenidade que “não há fome em Gaza, e até há gordos lá”, e que “as crianças de Gaza sofriam de doenças graves antes da guerra e por isso também são magras agora”, acusando Portugal de “premiar o Hamas por ter anunciado o reconhecimento do Estado da Palestina” e a ONU de “cumplicidade com o Hamas para impedir a distribuição gratuita da ajuda humanitária”. Quanto a esta última acusação, refira-se em abono da verdade que os saqueadores dos carregamentos de ajuda alimentar são gangues apoiados por Israel para combater o Hamas.

Face à narrativa negacionista da barbárie em Gaza já se verificam hoje alguns sinais de esgotamento da passividade imoral do Ocidente, e também de setores da sociedade civil israelita que, pela primeira vez, ousaram pronunciar a palavra genocídio ao referir-se ao conflito. Figuras públicas, organizações de Direitos Humanos, diretores de universidades, a organização de coexistência árabe-judaica Standing Together, o Higher Arab Monitoring Committee, organização composta por membros árabes do Knesset, presidentes de câmara, ativistas e académicos, e ainda as organizações judaicas americanas Reform Movement e American Jewish Committee, têm denunciado o genocídio e apelado à aplicação de sanções a Israel.

O escritor Gideon Levy, numa das suas crónicas no Haaretz, reporta uma visita a Washington do diretor da Mossad David Barnea, com o objetivo de conseguir apoios para o deslocamento dos palestinianos de Gaza para países de acolhimento, tarefa a ser coordenada pela recém criada Central Agency for Palestinian Emigration. Refere Levy que o avô de David Barnea fugiu da Alemanha nazi na véspera da criação, em 1938, da Central Agency for Jewish Emigration, dirigida por Adolf Eichmann. Quando o neto de um refugiado da limpeza étnica do Terceiro Reich vem propor solução idêntica para a população de Gaza, fica-nos a interrogação se o Estado de Israel já não apagou da memória os horrores do Holocausto.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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