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Geopolítica à mesa: a UE entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul | Opinião

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Donald Trump serviu à União Europeia, na Escócia, um pequeno-almoço tipicamente americano — carregado de gordura geopolítica e com uma dose generosa de pressão tarifária. Os 27 Estados-membros, sentados à mesa e sem apetite, engoliram em seco: aceitaram tarifas fixas de 15% para evitar algo ainda pior. O acordo, anunciado a 27 de julho de 2025, tem o sabor amargo de quem, nas palavras do primeiro-ministro húngaro, “foi comido ao pequeno-almoço”.

A Europa negociou com a corda ao pescoço. Trump ameaçou com tudo — automóveis, aço, alumínio, semicondutores — e conseguiu o que queria: 600 mil milhões de dólares em investimentos europeus nos EUA, compras energéticas astronômicas e, sobretudo, a validação de que o seu método — ameaçar em alto para conquistar por baixo — funciona.

A ementa do chef Trump vai-se tornando repetitiva: primeiro, apresenta o menu mais apocalíptico — guerra tarifária total, colapso econômico, retaliações massivas. Depois, serve uma alternativa aparentemente mais digerível. Uma solução “menos má”, como quem promete destruir toda a cozinha, mas acaba apenas por partir a louça. E a União Europeia vai varrendo os cacos. Ao fazê-lo, perde o essencial: a liberdade de negociar de igual para igual. E, pior ainda, abre a porta a que ceder agora signifique comer o mesmo prato — ou ainda mais picante — nas próximas rodadas.

Enquanto a União Europeia tenta digerir este pequeno-almoço, com alguma azia, o Brasil — também se tornou alvo da política tarifária de Washington. Nesta quarta-feira (30/07), Trump assinou o decreto impondo um tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, mas manteve uma lista de isenção de quase 700 itens, de aviões a suco de laranja. Diante desse quadro, não seria a melhor resposta da UE a união firme com o Mercosul?

Este seria o momento para os dois blocos se entenderem e fazerem uma escolha clara: em vez de aceitarem apenas o menu de Trump — que, por certo, não pode ser rejeitado abruptamente, sob pena de graves prejuízos econômicos para todos os comensais —, poderiam alargar o mercado com parceiros estratégicos. Seria uma forma de contrariar a imposição do “prato feito” que estão a ser forçados a comer.

Ratificar o acordo UE-Mercosul não é apenas uma questão econômica — é uma declaração política. Uma oportunidade para diversificar cadeias logísticas, garantir matérias-primas vitais, afirmar soberania e restaurar dignidade. É escolher parceiros duradouros em vez de antagonistas voláteis. E negociar, sobretudo, com quem respeita — não apenas com quem ameaça.

Do lado europeu, os vizinhos ibéricos poderiam unir esforços para desmantelar a minoria de bloqueio que está a ser orquestrada pela França. Paris tem conseguido reunir apoios de peso (Polônia, Irlanda, Áustria e talvez Itália), aproximando-se perigosamente da barreira dos 35 % necessária para travar o acordo. Do lado sul-americano, o Brasil tem ainda a responsabilidade — e a oportunidade — de persuadir a Argentina a alinhar-se com o entendimento.

Num momento em que o governo argentino é aliciado por benesses de Trump, como a recente isenção de vistos para cidadãos argentinos entrarem nos EUA, cabe ao Brasil demonstrar que os benefícios de uma parceria estratégica com a Europa são mais sólidos, sustentáveis e compatíveis com os interesses regionais a longo prazo.

Elementos alinhados

Este semestre, ao contrário do anterior, reúne uma constelação particularmente favorável ao avanço do acordo Mercosul–UE. De um lado do Atlântico, o Brasil assume a presidência rotativa do Mercosul com um governo abertamente pró-acordo; do outro, a Dinamarca lidera o Conselho com uma postura igualmente favorável à conclusão das negociações.

No coração da máquina europeia, o presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, já declarou a ambição de fechar o acordo até dezembro de 2025. Na Comissão Europeia, Ursula von der Leyen conta com o apoio ativo da vice-presidente espanhola, Teresa Ribera, que pretende apresentar a proposta aos colegisladores europeus — Parlamento e Conselho — ainda antes do final do verão, para discussão e votação.

Com tantos elementos alinhados, o cenário político parece finalmente maduro para um avanço decisivo. É chegada a hora de Portugal e Espanha aproveitarem os ventos favoráveis, convocarem a sua afinidade natural com a América do Sul e o profundo conhecimento histórico da região para arregaçar as mangas e assumir um papel de liderança pró-acordo, na tentativa de dissuadir pelo menos a Itália de Meloni — cuja inclinação poderá, como a Torre de Pisa, pender na direção certa. Se o fizerem, não só poderão desbloquear um acordo vital, como também deixar a sua marca como chefs visionários do projeto europeu.

A União Europeia pode estar, por agora, sentada à mesa. Mas ainda vai a tempo de sair da posição de cliente e assumir o comando da cozinha — em parceria com o Mercosul. Porque, quem escolhe os ingredientes certos, no momento certo, não só influencia o menu como define o sabor do futuro.

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