A candidatura a Presidente da República de Gouveia e Melo parece imbatível. Por várias razões, a começar pela retórica anti-partidos e anti-sistema que dali emana, mais a autoridade, coisa a que os portugueses sempre tiveram um certo apego.
Os votos que elegeram 60 deputados do Chega vão directamente para Gouveia e Melo. André Ventura sabe isso: resta-lhe apoiar Gouveia e Melo, aceitando ser rejeitado, para poder cantar vitória nas eleições presidenciais.
Além dos votos do Chega, Gouveia e Melo apanha boa parte do eleitorado do PS e do PSD. Aliás, é como “centrista”, algures entre um partido e outro, que se afirma. É fazer as contas: derrotar Gouveia e Melo é, à partida, uma missão impossível.
É uma questão de percepção: o mood anti-partidos que é agora muito popular em Portugal fez de Gouveia e Melo um D. Sebastião, um salvador da pátria que vem de fora e que não está misturado com “o sistema”. A farda ajudou a compor a personagem vencedora e, agora, na falta dela, as grandes acções de campanha obrigaram-nos a recordá-la insistentemente.
Se a imagem da farda e do camuflado das vacinas se perde, Gouveia e Melo também se perde. Não é o casaco assertoado que vestiu em Lisboa numa tarde de calor de ananases que substitui a farda a preceito.
Agora, Gouveia e Melo não é o candidato do “sistema” porquê? Apenas e só porque nunca fez vida partidária, tendo em conta a sua condição de militar. Foi um bom operacional logístico das vacinas e também usou e abusou da posição para preparar esta candidatura presidencial. Cada um faz política onde pode.
É difícil considerar que um candidato que tem como padrinho um dos homens mais ricos de Portugal seja fora do “sistema”. Mário Ferreira, accionista maioritário da TVI/Newsportu, da Douro Azul e de mais um leque variado de empresas, está sempre ao lado de Gouveia e Melo nas cerimónias públicas e nos encontros privados. É provável que este self made man que já foi ao espaço tenha contribuído com, pelo menos, 200 euros para a campanha presidencial. Quanto ao resto, Gouveia e Melo terá que pedir emprestado, como fez Marques Mendes.
O milionário Mário Ferreira acabou de ser acusado do crime de fraude fiscal qualificada no caso da venda do navio Atlântida a uma empresa da Noruega através de uma sociedade com sede em Malta. O Ministério Público diz que o milionário obteve “vantagem ilegítima” no IRS de um milhão de euros. Mas pode ser tudo mentira – ainda não foi julgado.
Quem está a trabalhar na candidatura de Gouveia e Melo é Luís Bernardo, que foi assessor de Sócrates e que já trabalha para Mário Ferreira na TVI/Newsportu, e que, à sua maneira, também é um dos homens mais poderosos do país.
A sua empresa de comunicação WL Partners factura quatro vezes mais do que as duas maiores concorrentes no mesmo mercado, Cunha Vaz e Associados e LPM. O Ministério Público tem dúvidas sobre os contratos “por suspeitas de corrupção e viciação de regras de contratação pública” e o inquérito-crime decorre desde 2022.
Pelo caminho, Luís Bernardo ainda foi convidado por José Paulo Fafe – que adquiriu uma posição na Global Media através de um fundo-mistério – para fazer o “plano estratégico”, tendo suspendido o contrato consigo próprio, tendo em conta a incompatibilidade de trabalhar em informação e propaganda ao mesmo tempo. Luís Bernardo, como escreve o PÚBLICO aqui, foi responsável pela escolha de alguns nomes para ocuparem cargos na Global Media.
Rui Rio tinha prometido um “banho de ética” quando foi líder do PSD e depois foi o que se viu. Quando foi conhecida a decisão de levar Sócrates a julgamento, o maior crítico da justiça do país não tremeu com os factos apurados.
Qual foi a reacção de Rio, agora mandatário de Gouveia e Melo perante a acusação? Atacar a justiça. “Dentro de um regime doente, a justiça é o seu pior exemplo. O PSD recusa cavalgar o clima político que se instalou”, afirmou a 12 de Abril de 2021, alertando para a “degradação lenta e perigosa” da justiça.
Sobre a “degradação lenta e perigosa” de Portugal ter tido um primeiro-ministro que vivia de empréstimos, Rui Rio disse nada. O que mais afligia Rui Rio nesse dia da acusação a Sócrates tal como no sábado na Alfândega do Porto? A urgência de fazer “a reforma da justiça”.
Gouveia e Melo fora do sistema? É uma piada mas com potencial ganhador. Já se sabe que o eleitorado não se ocupa com “pormenores”.
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