A HISTÓRIA: Walker, um detetive traumatizado, infiltra-se no submundo do crime organizado que ameaça corromper a cidade inteira. Na sequência de um negócio de droga que correu mal, Walker passa a ser perseguido por várias fações: um grupo criminoso vingativo, um político corrupto e pelos seus colegas da polícia. Na tentativa de salvar o filho do político, em rutura com o seu pai e cujo envolvimento no negócio de droga começa a revelar uma complexa rede de corrupção e conspiração, Walker é forçado a confrontar os demónios do seu passado.
“Havoc”: na Netflix desde 25 de abril.
Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
Gareth Evans não é um cineasta com um extenso portfólio, mas bastaram-lhe os clássicos de culto “The Raid” e “The Raid 2” para deixar a sua marca no cinema de ação. Qualquer fã ávido do género reconhece nestas obras uma influência determinante, não só pela intensidade das suas coreografias de combate, mas também pela mestria técnica dos seus planos ininterruptos e brutalmente coreografados. A sua abordagem narrativa minimalista, mas eficaz, serviu de palco perfeito para o talento dos departamentos de stunts e efeitos práticos brilharem.
Assim sendo, as expectativas para “Havoc” – apenas a sexta longa-metragem que escreve e dirige – eram claras: uma história direta ancorada em ação memorável e altamente estilizada. Com Tom Hardy (“Venom”, “Dunkirk”) no papel principal, interpretando o detetive Walker, o filme segue um polícia moralmente ambíguo que se vê arrastado para o submundo do crime após uma operação antidroga correr mal. Na tentativa de resgatar o filho de um político influente, atira-se para um labirinto de conspirações, traições… e balas. Muitas balas.
Infelizmente, qualquer esperança de reencontrar a excelência de “The Raid” desvanece-se ainda antes do fim do primeiro ato: Evans parece uma sombra de si próprio, sendo que a sua visão clara e entusiasmo contagiante de outrora dão agora lugar a um exercício estético onde as artes marciais são substituídas por um dilúvio de pirotecnia visual e sonora. O que antes era uma harmonia distinta entre narrativa e ação, tornou-se num desfile caótico e barulhento de tiroteios infindáveis e personagens descartáveis.
A primeira hora de “Havoc” é particularmente penosa. Lenta, desinteressante e desnecessariamente complexa, parece fazer de tudo para mascarar a previsibilidade do seu enredo. A obra demora quase 60 minutos a apresentar a sua primeira grande sequência de ação, o que seria aceitável se estivesse a construir algo de valor. Em vez disso, Evans multiplica os antagonistas, encobre motivações genéricas com camadas de intriga vazia e perpetua uma sensação constante de déjà vu.
Dito isto, energia e adrenalina não faltam: “Havoc” faz jus ao seu título, oferecendo verdadeiros banhos de sangue, tiroteios com munições infinitas e toneladas de litros de sangue projetadas em todas as direções. A brutalidade geral é inegável e Evans não esconde a veia humorística da obra, com um tom negro que tenta suavizar os momentos mais excessivos. No entanto, a falta de qualquer contenção ou equilíbrio torna tudo demasiado avassalador, até para os mais fãs de ação desenfreada.
Cada personagem precisa de sete ou oito tiros para morrer. A quantidade de balas é tal que até a equipa de efeitos visuais falha ao sincronizar os clarões dos disparos. A lógica interna de “Havoc” dissolve-se num mar de ruído ensurdecedor – mesmo em visualização caseira, o som chega a níveis incomodativos. O CGI durante as perseguições de carros e cenas noturnas é visivelmente artificial e os cenários repetem-se monotonamente.
A maior desilusão, porém, encontra-se na ausência quase total de combate corpo a corpo – a marca registada de Evans. Não existem coreografias marcantes, nem planos bem estruturados. Apenas uma sequência atrás da outra de disparos indistinguíveis, em corredores e edifícios que se vão sucedendo sem qualquer inovação. A estrutura repete-se: entrada forçada, resistência armada, sobrevivência milagrosa. O padrão instala-se e continua até ao fim, com pouca ou nenhuma variação para manter o interesse.
Apesar de alguns momentos pontuais de charme visual – Evans continua a saber como compor um plano estilizado – o caos frequentemente prevalece sobre a clareza. A câmara frenética e a montagem excessivamente rápida acabam por prejudicar o trabalho dos duplos, cujo esforço se perde na confusão visual. É frustrante ver um filme que obviamente exigiu tanto fisicamente dos seus intervenientes ser sabotado por decisões criativas que escondem talento em vez de o exibir.
Tematicamente, “Havoc” é expectavelmente vazio. Mas, verdade seja dita, não há mal nenhum nisso – nem todas as obras precisam de carregar um subtexto elevado, contrariamente a algumas ideias elitistas na indústria. O problema não é a falta de uma mensagem; é a ausência de qualquer elemento envolvente, seja ele emocional, técnico ou até meramente espetacular. Num filme onde a ação deveria ser o prato principal, o facto de esta ser repetitiva, incoerente e pouco impactante torna-se um pecado fatal.
Tom Hardy, por seu lado, cumpre com profissionalismo. A sua presença física e carisma seguram algumas cenas, mas o material que lhe é oferecido não lhe permite brilhar.
Em conclusão, “Havoc” é exatamente o que o título promete: um caos absoluto. Infelizmente, é um caos sem propósito. Gareth Evans pode ter tido carta branca para concretizar a sua visão e existe sempre algo de admirável neste tipo de liberdade criativa. Só que a intensidade e energia que deviam ser pontos fortes transformam-se numa experiência barulhenta, repetitiva, confusa e, pior que tudo, esquecível. Estilo sem clareza, ação sem emoção, violência sem impacto. Para um filme que devia ser um frenesim visceral, fica-se pela insanidade superficial que, mesmo para fãs à procura de espetacularidade sangrenta, dificilmente surpreenderá.
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