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Do seu apartamento no Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio de Janeiro, Matheus Nachtergaele, 57 anos, reclama do calor que está fazendo na cidade. Com razão. As temperaturas do outro lado do Atlântico estão cada vez mais elevadas. “Ainda são 8h da manhã e já está muito quente, uma loucura”, comenta o ator, em entrevista por videochamada ao PÚBLICO Brasil. Mas nem o verão carioca afasta o bom humor do intérprete de João Grilo, no filme O Auto da Compadecida 2, que estreou em 23 salas de cinema nesta quinta-feira (20/02), em Portugal.
No novo longa, Nachtergaele volta a encenar, 25 anos depois do lançamento da minissérie da TV Globo, baseada na obra de Ariano Suassuna (1927-2014), que deu origem ao primeiro filme, o personagem que, em dupla com Chicó (Selton Mello), já levou mais de 4 milhões de espectadores aos cinemas no Brasil, desde o seu lançamento, no Natal do ano passado.
“Para a nossa grande surpresa, o segundo filme fez mais sucesso que o primeiro. No mínimo, o dobro de espectadores”, comemora ele. “Tudo bem que hoje somos mais pessoas, que estamos em muitos cinemas, mas isso foi um grande presente. Assim como foi um presente a oportunidade de vestir de novo esse personagem, que me jogou para dentro do coração dos brasileiros”, afirma.
O ator aposta que O Auto da Compadecida 2 vai chegar à marca de 5 milhões de espectadores, superando o premiado Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. ”É um momento bonito do cinema nacional. Vamos fazer uma bilheteria bem próxima à de Ainda Estou Aqui, na metade do tempo. E toda movida pelo amor dos brasileiros ao Auto, ao João Grilo e ao Chicó. Sem o auxílio da corrida pelo Oscar, sem estar na capa de todos os sites e sem ser o assunto mais bombado da web”, avalia.
Apesar do discurso, Nachtergaele faz questão de ressaltar que torce para que o drama biográfico, protagonizado por Fernanda Torres, leve o maior prêmio da indústria cinematográfica do mundo. No dia 2 de março, Ainda Estou Aqui disputará a estatueta dourada em três categorias: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. “Estamos todos torcendo, tomara que ganhe. Mas estou torcendo mesmo pela Nanda, que está dando umas entrevistas lindas e é minha amiga. Realmente, não sou muito ligado ao Oscar”, admite.
Deus e o diabo
Além da telona, o talento de Nachtergaele poderá ser visto no remake da novela Vale Tudo, que vai ao ar a partir de março, na TV Globo. O ator, que interpretará Audálio Polyana, vivido por Pedro Paulo Rangel (1948-2022) na primeira versão da trama de Gilberto Braga, ressalta que também aceitou fazer a novela para “não ficar tão preocupado” com a estreia de O Auto da Compadecida 2. Ele ainda estava gravando o remake de Renascer, no ano passado, quando recebeu mais um convite da emissora.
“Havia uma grande expectativa pelo filme. Não foi fácil voltar a fazer, 25 anos depois, o João Grilo. Reexperimentar, no meu corpo, o maior personagem cômico já escrito no Brasil”, garante. “Considerei que era melhor estar trabalhando quando a obra estreasse do que estar parado. Independentemente do que fosse acontecer, estaria no meu ofício diário, ocuparia a minha mente com um novo projeto”, diz ele, que, após esta entrevista, correu para os Estúdios Globo, em Curicica, na Zona Oeste da capital.
Matheus Nachtergaele e Selton Mello lideram o elenco de O Auto da Compadecida 2
Divulgação
Nachtergaele enfrentou outro desafio em O Auto da Compadecida 2. Diferentemente do primeiro filme, neste, além do protagonista, ele dá vida a mais dois personagens: Deus e o diabo. “Foi muito gostoso, porque tive de fazer um diabo que mostrasse um pouco o lado mau do João Grilo, e ele tem um lado sacana. Mas fiz com uma certa brasilidade. Então, ouvi de tudo, desde de gente dizendo ‘Caramba, é (filme de) Glauber Rocha’ até gente falando que eu parecia o Clóvis Bornay de diabo (risos). Eu concordo com todo mundo. É um satanás cangaceiro e também é um carnavalesco”, diverte-se ele, que teve mais dificuldade em interpretar Deus. “É o mais difícil de todos. É o amor ao próximo muito genuíno. Jesus não tem nenhum conflito, a não ser amar o homem”, reflete.
Se, em 2000, Fernanda Montenegro apareceu como Nossa Senhora, desta vez, a responsabilidade ficou nas mãos de Taís Araújo, que também faz parte do remake de Vale Tudo, como a protagonista Raquel Accioli. “Ela é uma atriz linda, uma grande estrela, uma protagonista amada. Ao mesmo tempo, é uma moça preta, carioca do Méier (subúrbio do Rio)”, derrete-se Nachtergaele.
Retomada do cinema
Com mais de 80 filmes em 30 anos de carreira, o ator, nascido em São Paulo, vibra ao falar do cinema nacional. E lembra que, após a pandemia, o setor teve de “fazer barulho” para reconquistar o público da sétima arte.
“É preciso uma indústria violenta, com muito dinheiro para injetar em marketing, para que as pessoas saiam de casa e assistam a um filme. No Brasil, isso ainda é uma aventura cara. O brasileiro é feito de João Grilos e Chicós”, compara ele, que avisa: “Com a Semana do Cinema, a ingressos a R$ 10 (€ 1,6), que é um valor simbólico quase, as salas voltaram a lotar. É um público de gente, em geral, comum, que quando vai com a família ao cinema acaba gastando um dinheirão”, observa.
Nachtergaele orgulha-se também de O Auto da Compadecida, de 2000, ser um dos longas mais vistos daquele ano. “Foi uma pedra fundamental no movimento de retomada do cinema nacional. Em pouco tempo, fez as pazes com o público, que tinha sido catequizado, pela extrema-direita, a acreditar que os nossos filmes eram ruins”, acrescenta.
Com direção de Guel Arraes (que assinou as produções anteriores também) e Flávia Lacerda, O Auto da Compadecida 2, em breve, será exibido no streaming, pela Amazon. E será que os fãs de João Grilo e Chicó podem aguardar mais um longa com a dupla? “Alguma coisa vai acontecer depois do sucesso do Auto 2. Fica o desejo de todos nós”, despista Nachtergaele.
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