De volta à estrada para uma digressão que comemora os 2o anos do seu álbum de estreia homónimo (celebrados em 2024), os Scissor Sisters foram o grande chamariz do segundo dia da quarta edição do MEO Kalorama. Tal como no primeiro, mais concorrido no concerto dos Pet Shop Boys, o recinto do Palco MEO do Parque da Bela Vista não ficou repleto, mas uma honrosa meia casa foi mais do que suficiente para festejar o regresso com pompa e circunstância.
Naquela que foi a primeira atuação dos nova-iorquinos num festival e na Europa continental em 12 anos, como assinalou o vocalista, Jake Shears, o alinhamento revisitou os quatro discos, com um esperado formato “best of”, e trouxe como bónus duas novas vozes: Amber Martin e Bridget Barkan. Dupla espevitada e tagarela, reforçou as doses de burlesco já de si generosas das atuações do grupo na substituição possível para Ana Matronic, covocalista original que não aceitou o convite.
créditos: Rita Sousa Vieira
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Não se pode dizer que o espetáculo tenha saído a perder com a troca das presenças femininas do grupo de Shears, Babydaddy (multi-instrumentista), Del Marquis (guitarra) e Randy Real (bateria). Como do alinhamento não saíram surpresas (até porque o concerto foi mais curto do que outros da digressão que incluem temas menos óbvios, de “Sex and Violence” a “Running Out”), esta dinâmica recente trouxe algo de inesperado a quem já tinha visto a banda ao vivo. E foi decisiva para aumentar o capital de carisma de uma atuação sem quebras de ritmo ou de interesse, a meio caminho entre o musical e o cabaret mais desbocado.
Quantas insinuações sexuais saíram dos mimos, farpas e gestos entre Shears e as suas duas novas colegas (o leque foi de vibradores a roupa interior picante ou orgasmos e sexo oral simulados)? Não estávamos a contar, mas pontuaram praticamente todo o espetáculo. E a brincar, a brincar, os Scissor Sisters celebram, como há 20 anos, o direito à diferença e ao prazer, doa a quem doer. “Gosto quando dói”, confessou Bridget Barkan a meio de um dos vários diálogos que pareciam ter saído de uma comédia “screwball” dos anos 1950 (sem censura). “Quem está excitado?”, perguntou, por sua vez, Amber Martin num dos episódios de maior sintonia audível entre banda e público.
créditos: Rita Sousa Vieira
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Não por acaso, outro dos grandes momentos da noite deu-se quando “Take Your Mama Out”, um dos singles do álbum de estreia do grupo, se entrosou com “Freedom”, clássico de George Michael. Combinação arrepiante, foi sinal de um concerto que, apesar de recheado de acessos bem-humorados, ainda passou por outros estados de espírito. “Esta é do coração”, disse Shears ao apresentar “Fire With Fire”, a canção mais redondinha de “Night Work” (2010), o brilhante terceiro álbum dos Scissor Sisters (e com alguns dos seus relatos emocionais e sexuais mais agrestes).
Num concerto que recordou tanto a faceta acústica como eletrónica do grupo, também não faltaram “Comfortably Numb” (a canção que começou tudo, como frisou o vocalista, numa versão muito livre e em em tempos polémica dos Pink Floyd), “I Don’t Feel Like Dancin'” (com a generalidade dos espectadores a contrariar o título), “Invisible Light” (apoteose celestial com a participação gravada do ator Ian McKellen), “Let’s Have a Kiki” (tão irresistível e impecavelmente coreografada como nos lembrávamos) ou “Filthy/Gorgeous” (um devaneio que não faz prisioneiros).
créditos: Rita Sousa Vieira
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A ajudar à festa, Del Marquis deixou um relativamente longo agradecimento em português (com sotaque brasileiro) e o público cantou os parabéns a Barkan, a aniversariante do dia. Já por Shears os anos mal parecem ter passado: o principal anfitrião foi tão enérgico em palco como no início do milénio, entre correrias e danças, e a voz também não deu sinais de cansaço. Continua a ser um dos grandes showmen da pop da sua geração, desta vez acompanhado por duas showgirls que lhe dão luta séria. Voltem sempre, pois claro.
Azealia Banks: mais música, menos polémicas
Antes dos Scissor Sisters, foi Azealia Banks quem despertou atenções no Palco MEO. A norte-americana era outro dos nomes mais aguardados do festival, curiosamente também sem grande tento na língua. Mas no seu caso, com situações habitualmente menos felizes, como atestam controvérsias em torno de Trump, de Putin ou da comunidade LGBTQIA+.
Escolha questionável de um festival que tem a inclusão entre as bandeiras, iniciou o concerto entre algumas hesitações (sobretudo ao confidenciar com o DJ, que mais tarde revelaria ser seu namorado, aparentando estar indiferente ao público) mas não demorou a ganhar pulso. Vestida de bailarina (não se deixando fotografar pela imprensa) e quase sempre com um sorriso travesso, tanto cantou acompanhada de um arsenal de batidas como a capella e foi convincente em ambas as apostas – como a maioria dos espectadores fez questão de reconhecer entre gritos e aplausos.
O disparo de palavras não ficou aquém do de ritmos ancorados em house de boa colheita, perfeitamente compatíveis com a escola hip-hop e R&B da nova-iorquina. A espera pelo sucessor de “Broke with Expensive Taste” (2014), primeiro e até aqui único álbum, já vai longa, mas antes esta Azealia de palco (perto do final, com direito a megafone) do que a que alimenta redes sociais.
Heartworms
créditos: Gonçalo Sá
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Palco San Miguel: cinco concertos a guardar
Embora o Palco MEO tenha merecido a visita esta sexta-feira, quem olhou para o Palco San Miguel como secundário saiu a perder. Afinal, foi este cartaz que ajudou a fazer do segundo dia do MEO Kalorama um dos mais estimulantes da programação de festivais deste ano. E a incluir segredos ainda demasiado bem guardados, desde logo a artista responsável pela sua abertura a meio da tarde. Heartworms, projeto da britânica Jojo Orme, merecia ter tido mais público ao apresentar as canções do ótimo EP “A Comforting Notion” (2023) e do também aconselhável “Glutton for Punishment”, um dos bons primeiros álbuns de 2025. Ao lado de um baterista, e por vezes assumindo a guitarra elétrica, confirmou ao vivo o poderio entre o pós-punk, o gótico e o trip-hop, sinergia que atinge a perfeição em estrondos como “Retributions Of An Awful Life”. Grande voz, postura teatral no ponto (longos cabelos negros, túnica a condizer), lembranças de Siouxsie and the Banshees ou dos Sneaker Pimps (primeira encarnação, com Kelli Ali). Começa muito bem…
MAQUINA.
créditos: Ricardo Cabral
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Por outro lado, os MAQUINA. não serão segredo para quem acompanha o circuito de palcos nacional. Apesar dos méritos deste “power trio” lisboeta em disco, é nos concertos que a sua música maioritariamente instrumental (e insistentemente explosiva) ganha maior vertigem, dos movimentos circulares enleantes a crescendos intempestivos que convidam (ou obrigam?) ao headbanging. Devidamente apreciados por um público bem mais numeroso do que o da artista de abertura, são já uma certeza. E se as palavras das canções raramente foram percetíveis (não é defeito, é feitio), a costela política foi evidente ao envergarem a bandeira da Palestina.
Model/Actriz
créditos: Ricardo Cabral
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Igualmente frenéticos, e também a esbater a fronteira entre o rock, o industrial e o noise, os Model/Actriz ultrapassaram há poucos meses o desafio do segundo álbum (“Pirouette”, um dos mais aclamados do ano). Mas o palco não só dá outras possibilidades às sua música como parece ser território natural de Cole Haden, vocalista cuja postura agitadora e queer contrastou com a atitude circunspeta dos outros membros do quarteto. Cantando no meio do público em vários momentos, incluindo aos ombros de alguns espectadores, desafiou padrões de género (como quando pintou os lábios), à imagem de algumas das suas letras, e foi fulcral para que o rasgo de “Cinderella” ou “Doves” tenha alcançado outros patamares.
Boy Harsher
créditos: Ricardo Cabral
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“Somos os Boy Harsher e fazemos música de dança”, disse Jae Matthews, vocalista do projeto que criou com Augustus Muller (responsável pelas programações e percussões), já pela noite dentro. Ou não fosse a música da dupla norte-americana pintada a negro, feita de darkwave ou EBM (Electronic Body Music) – ou de pop eletrónica sombria, simplificando. Minimalista e hipnótica, com uma carga cinematográfica vincada (facção filmes de terror), foi recebida de braços abertos (por vezes, literalmente) num Palco San Miguel muito concorrido. Fiel ao seu propósito, o duo fez dançar um público devoto em canções como “Fate”, “LA” ou “Pain”, conduzidas por uma voz invariavelmente sorumbática mas nada incompatível com uma pulsão rítmica estonteante.
Róisín Murphy
créditos: Rita Sousa Vieira
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Ritmo também não faltou a Róisín Murphy, senhora que encerrou o convidativo cardápio do Palco San Miguel desta sexta-feira. Longe de ser uma novidade em palcos portugueses, a ex-vocalista dos Moloko é a primeira a sabê-lo e talvez por isso tenha trazido mais uma variação aos seus espetáculos. Houve, como sempre, clássicos da sua antiga banda cruzados com os do percurso em nome próprio, de “Pure Pleasure Seeker” a “Overpowered”. Mas a opção por arranjos mais percussivos em “The Time Is Now” ou “Sing It Back”, garantida por uma banda de cinco elementos, ou o belo episódio etéreo da menos expectável “You Knew” deram novas razões para voltar a ver a irlandesa. O guarda-roupa, claro, também esteve à altura dos seus pergaminhos extravagantes, entre mantas coloridas e cartolas. E além de cantora e performer, Murphy foi realizadora, despedindo-se a filmar-se num grande plano inesperado depois de ter captado os músicos e o público. Vai certamente regressar…
O segundo dia do MEO Kalorama contou ainda com FKA Twigs, apontada como cabeça de cartaz mas na verdade a convocar uma moldura humana no Palco MEO bem mais diminuta do que as dos concertos dos Pet Shop Boys e Azealia Banks – possivelmente devido à hora tardia do arranque do espetáculo (duas da manhã), opção que já não tinha favorecido os Flaming Lips na quinta-feira (que se apresentaram no mesmo espaço à 1h30).
O festival despede-se da quarta edição este sábado, 21 de junho, com Damiano David (também de madrugada, a partir da 1h55), Jorja Smith, Noga Erez, BadBadNotGood, Royal Otis, Daniel Avery ou Branko.
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