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Nelson Pires: “Temos medicamentos que custam menos do que uma pastilha elástica” – Sustentabilidade

 

Bilhete de identidade Idade: 52 anosCargo: Jaba Recordati Portugal, diretor-geral (desde 2010); Presidente da Fundação Marquês de Pombal (desde 2022); Membro da Direção da APIFARMA (desde 2012); Jaba Recordati, diretor comercial (2007-09)Formação: Pós graduação em marketing e especialização em gestão farmacêutica; Licenciado em Direito, Universidade Moderna de Lisboa.

Se pudesse decidir, embora mostrando-se desconfortável e indeciso por causa dos efeitos, Nelson Pires aplicava uma tarifa de 100% sobre as exportações de medicamentos da Europa para os Estados Unidos e zero nas importações. Seriam os norte-americanos a pagar, e bastante, já que a esmagadora maioria dos medicamentos consumidos nos EUA vêm do exterior. “Os EUA não vivem sem a produção externa de medicamentos essenciais, como antibióticos e anti-inflamatórios, vindos do México, China, Índia e Europa”, afirma o diretor-geral da Jaba Recordati Portugal. Convidado das “Conversas com CEO”, além do impacto das tarifas de Trump, fala dos preços dos medicamentos e do aumento dessa despesa no SNS, em parte resultado da negociação com a ministra Marta Temido, que alterou regras negociadas por Paulo Macedo. Durante mais de meia hora, numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Nelson Pires aponta a vantagem competitiva que o país pode ter neste setor e identifica problemas, como o tempo das autorizações dos medicamentos e os baixos preços. Considera que uma das razões para a rutura que por vezes se verifica se deve ao “desabastecimento” de fármacos muito baratos. Perante o desafio da guerra comercial, afirma que “se agirmos como uma Europa, criamos um mercado muito mais forte do que o americano”.

Como começou a sua carreira na indústria farmacêutica? A maior parte das vezes é acaso.
E foi realmente um acaso. Estava a estudar e com 18 anos decidi que queria ser independente.Sou um ex-retornado de Angola, vim com dois anos e ainda tenho muitas memórias porque fui retornado novamente. O meu pai trabalhava na área de petróleo e fomos para o Gabão, onde vivi três anos e voltei a ter de retornar, com nove anos. E o porquê do retornado? Vou a Angola muitas vezes, sou também o responsável pelo mercado angolano e encanta-me, porque regresso a uma memória que, na verdade, não tenho. Ainda tenho alguma família lá. Mas como dizia, quis ser independente e percebi que ser delegado de informação médica permitia compatibilizar estudos e trabalho. 

Que vantagem competitiva Portugal tem neste setor?
Portugal tem capacidade de fabrico de produtos em pequena escala, que a China e a Índia, onde são produzidos a maior parte dos medicamentos, já não têm interesse, porque são três ou quatro mercados. Por exemplo, uma vitamina B12 injetável só é vendida em Portugal, Itália e Espanha. Não há ninguém que queira fabricar porque não tem dimensão, o custo de fabrico é elevado e é um injetável, tem algumas complicações regulamentares. Portugal tem capacidade para fazer isso porque consegue produzir pequenos lotes. E tem fábricas que são verdadeiros sucessos, como a Hovione, a Basi ou a Medinfar. A Bial é o exemplo mais visível. E depois tem uma capacidade de gestão resiliente.

Pensa que a Europa se atrasa no acesso à inovação por causa da sustentabilidade financeira?
Julgo que não. Falamos de Europa, mas na realidade são 27 países sentados na Agência Europeia do Medicamento a decidirem por unanimidade. A Europa até é rápida a decidir. A questão é quando vamos financiar os medicamentos. A Alemanha é muito rápida e Portugal é provavelmente dos piores países. Um alemão tem o medicamento ao dia um, um português ao dia 500. A inovação demora mais de ano e meio às vezes, a chegar a Portugal. E não é por sustentabilidade. Devolvemos, todos os anos, 16% da despesa que o Estado tem com medicamentos, através da taxa [Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF)] e de limitações aos encargos. E a partir do momento em que submetemos um medicamento, temos de o fornecer gratuitamente ao doente. E tudo isto, que é bom, que faz parte da obrigação das empresas, devia permitir um modelo mais célere de autorização de acesso ao medicamento.

Houve uma alteração, com o governo de António Costa e Marta Temido, no acordo dos preços dos medicamentos negociado com Paulo Macedo? Com ganho para a indústria farmacêutica?
Houve, finalmente… Paulo Macedo conseguiu disciplinar a despesa do medicamento, com um modelo de partilha de risco. As empresas não questionam este modelo. Questionam é os custos de contexto, burocracias, atrasos, o facto de não haver pagamentos a tempo pelos hospitais… E foi alterada uma das cláusulas, do limite da despesa farmacêutica. E Marta Temido fez o acordo porque dá estabilidade às empresas para investirem. E foi substancialmente melhorado, renovado por Manuel Pizarro, que teve a astúcia de perceber que havia muitas ruturas de medicamentos no mercado, porque os preços são muito baixos. Nos 27, devemos estar no 25.º lugar em termos de preço. 

A consequência dessas alterações é que a despesa com medicamentos no SNS disparou?
Disparou, mas aumentou o acesso ao hospital. Nunca tivemos tantas cirurgias e consultas como este ano, logo tem de aumentar o consumo. E depois aumenta a inovação que chega.

Mas se estivesse em vigor o modelo de Paulo Macedo, a despesa era inferior? 
Era, provavelmente. Mas, provavelmente, não tinha 20 ou 30% dos doentes tratados de doença oncológica, como neste momento, nem 20 ou 30% dos doentes com inovações de ambulatório, da hipertensão às doenças mais comuns. Portugal é um mercadinho, é uma gotícula de água no mercado farmacêutico. Se tem uma limitação de acesso e de preço, com a limitação de mercado, as multinacionais preferem não lançar os produtos. 

Circulam listas de medicamentos com preços e países de destino, entre os armazenistas.

E como explica que exista rutura de medicamentos?
Há dois motivos. Um é económico, temos preços muito baixos. Circulam listas de medicamentos com preços e países de destino, entre os armazenistas. É mais fácil exportá-los, porque se venderem aqui têm uma margem de 5 ou 6%, na Alemanha ou na Dinamarca o preço é 40 ou 50% mais caro e têm uma margem substancialmente maior. O Infarmed está a controlar isso. Neste momento, qualquer distribuidor, se quiser exportar, tem de ter autorização.

O problema é menos grave neste momento, mas continua a existir?
É grave por outro motivo. Porque começa a haver muito desabastecimento de medicamentos muito baratos. Não compensa fabricar, porque tivemos o aumento das matérias-primas de 40 ou 50%, que vêm todas do mesmo sítio, China ou Índia. E o preço não aumenta. Felizmente, nos dois últimos anos aumentou e são dois governos distintos.

O que é que a indústria farmacêutica pode fazer para combater esta desigualdade no acesso ao medicamento?
Quando submetemos um dossier de pedido de preço, temos de garantir que os doentes, a quem o médico prescreve aquele medicamento, já aprovado na Europa, mas sem preço em Portugal, têm a medicação gratuita. É um modelo que nós próprios sugerimos, porque se vamos beneficiar disso mais tarde, então os doentes que beneficiem mais cedo. E nós já devolvemos parte do que é despesa de medicamento em Portugal. E perdemos patente ao fim de dez anos de mercado.

Pode soar populista, mas para a pessoa que não tem dinheiro para pagar os medicamentos, esses números macroeconómicos não lhe resolvem o problema.
Percebo mas, por exemplo, os idosos de baixo rendimento não pagam medicamentos porque a indústria farmacêutica libertou verbas, na partilha de risco, que permitem garantir o financiamento a 100%. Como é que podemos devolver mais à sociedade? Atraindo investimento. Nós faturamos 70 milhões de euros e fabricamos 35 milhões em Portugal que podíamos produzir noutro lado qualquer. Temos 150 pessoas aqui. Percebo que o senhor de 70 anos com uma reforma de 800 euros, quando vai comprar medicamentos acha caro. Mas nós em Portugal temos medicamentos que custam menos do que uma pastilha elástica. E isso é contributo das empresas, é muita resiliência da indústria farmacêutica com os gestores portugueses. Em 2024 exportamos em medicamentos 4 mil milhões de euros, 5% do total, dos quais 1,2 mil milhões para os EUA. Exportamos duas vezes e meia mais do que a cortiça e o calçado e sete vezes mais do que o vinho do Porto. E estas exportações pagam impostos, criam valor e trabalho, e esta é uma forma de sustentar o Estado social que queremos ter.

Para os EUA, o medicamento não é substituível facilmente. Trump gosta de fazer bluffs.
A curto prazo preocupa-me a instabilidade.

Vivemos uma conjuntura de incerteza com as tarifas anunciadas pelo Presidente dos EUA. Que impacto pode ter?
Para os EUA, o medicamento não é substituível muito facilmente. O Presidente Trump gosta de fazer bluffs. Neste momento, 90% dos medicamentos que se consomem nos EUA são genéricos, o que permitiu poupar ao Estado americano, em dez anos, quase 500 mil milhões de dólares. Mas são produzidos na China ou na Índia. O ibuprofeno, por exemplo, anti-inflamatório básico, 95% vem da China.  E se o Presidente Trump colocar a tarifa à importação de antibióticos quem vai pagar é o doente ou as seguradoras, um dos dois. Criar uma fábrica de antibióticos nos EUA demora três a cinco anos.

Qual é então o impacto que vê nesta política Trump?
Se quisesse ser mauzinho, tudo o que vem dos EUA de medicamentos não tarifava e tudo o que é exportado tarifava a 100%. Porque quem vai pagar, no limite, é infelizmente o doente americano. Só não o faria porque quem vai ser prejudicado, infelizmente, é o doente americano e esse não tem culpa. Os EUA não vivem sem a produção externa de medicamentos essenciais, como antibióticos e anti-inflamatórios, vindos do México, da China, Índia e Europa. Joe Biden já antes deu incentivos fiscais e facilidades regulatórias e não conseguiu atrair as fábricas, porque o preço de produzir na China é metade dos EUA. É impossível o Trump conseguir substituir a cadeia de abastecimento de medicamentos europeia ou asiática, pela americana. Na biotecnologia, que é muito cara, é possível, mas representa 5% ou 10% dos tratamentos nos EUA. Ou seja, deixava 90% dos americanos descobertos.

O que é que o preocupa mais a curto prazo?
A curto prazo preocupa-me a instabilidade, a falta de previsibilidade. Esta questão política que não devia ter acontecido, a tão desesperada queda do governo. E os movimentos na Europa, extremistas. Também a  inteligência artificial, que as empresas não estão a saber integrar, para as pessoas poderem perceber que aquilo não as vai substituir. Na minha área, só se houver previsibilidade, é que os investidores investem. E isso é o que mais me preocupa. Porque o talento, se conseguirmos gerar economia, vamos atraí-lo de volta.  Nós temos 450 milhões de europeus e 350 de americanos. Temos aqui um mercado que, se quisermos, pode ser mais valioso que o dos EUA. Não pode é ser fracionado, não pode cada país regular por si. Se agirmos como uma Europa, criamos um mercado muito mais forte do que o americano. A Europa tem um potencial único.



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