O festival da canção de 1975 foi ganho por Duarte Mendes, capitão de Abril, com o tema Madrugada. Os versos que iniciam a canção relembram aqueles que resistiram ao regime: “Dos que morreram sem saber porquê / Dos que teimaram em silêncio e frio”.
Dinis Miranda, nascido em 1929 na vila de Montoito, no concelho de Redondo, não foi dos que morreu sem saber porquê, pois viria a falecer já em Democracia. Foi, no entanto, dos que teimou em silêncio e frio, e os 12 anos que passou nas prisões do fascismo são a prova disso.
O sol abrasador que queimava as terras do Alentejo castigava também a pele daqueles que a trabalhavam desde o alvorecer até ao cair da noite, a troco de uma jorna de miséria. Dinis Miranda sentiu no corpo e na alma o peso dessa injustiça e exploração a que o seu povo estava sujeito, escolhendo por isso o caminho da resistência. Aos 17 anos adere ao Partido Comunista Português. A partir daí sucederam-se várias sequências de prisões. Foi espancado pela PIDE durante três dias e três noites; submetido à tortura da estátua durante 30 horas; e sofreu na pele a tortura do sono durante 15 dias e 15 noites. Não quebrou. Não falou. Resistiu.
O motivo pelo qual permaneceu calado é dito pelo próprio Dinis no seu julgamento em 1968: “Não sou cobarde e coloco acima de tudo a minha dignidade e fidelidade ao meu Partido. Jamais, sejam quais forem as torturas a que for submetido, seja qual for a pena a que este tribunal me condene, trairei o meu Partido, o Partido Comunista Português, vanguarda da classe operária.”
O delito que tantas vezes o prendeu foi o mesmo que levou muitos outros: dizer que não. Não aceitar a opressão, não se dobrar perante a tirania, não enterrar a cabeça na areia e dizer: “Não é nada comigo, não é nada comigo”. Prendiam-no porque se recusava a ser cúmplice da injustiça. Porque tinha a coragem de resistir e de enfrentar o medo e a dor pela dignidade de um povo. Quantos de nós teriam feito o mesmo?
Foi preso pela última vez em 1970 e condenado a uma pena de prisão de nove meses, mas Einstein tinha razão quando disse que o tempo era relativo. Quando a Rádio Renascença, à meia-noite e vinte do dia 25 de Abril de 1974, passou a música Grândola Vila Morena, Dinis Miranda continuava preso em Peniche.
Mas a revolução fez-se, as espingardas encheram-se de cravos, as caras de sorrisos, a atmosfera de canções, e as portas da prisão abriram-se. A 27 de Abril de 1974, libertam-se os presos do forte de Peniche e lê-se no jornal República do mesmo dia: “O primeiro preso a sair do forte foi Dinis Miranda, passavam 23 minutos da meia-noite”. A icónica foto de Dinis com os braços ao alto é o símbolo da libertação de uma nação inteira. Dinis Miranda voltava a respirar ar puro num país que, já sem mordaça, respirava finalmente liberdade.
A revolução, no entanto, não marcou o fim da acção política deste Montoitense. Foi um dos responsáveis pela criação dos sindicatos agrícolas do Alentejo, foi eleito deputado tanto da Assembleia Constituinte como da Assembleia da República e foi também, durante vários anos, presidente da Assembleia Municipal de Redondo.
Devemos a Dinis Miranda (e a tantos e tantas que como ele lutaram) a liberdade que hoje temos. Mas esta liberdade não foi um presente, foi um legado. E os legados exigem cuidado. Exigem que não nos esqueçamos do preço que foi preciso pagar pela liberdade; que não nos esqueçamos de todos os que abdicaram de um futuro para que nós o pudéssemos ter; que não nos esqueçamos dos que calaram na tortura para que hoje possamos gritar nas ruas.
As sombras que vão aparecendo só crescem com o esquecimento. Façamos, então, da memória a nossa resistência. E lembremo-nos de que, num mundo agora repleto de gritos saudosistas, o grito que importa é o grito feito em uníssono e de braço dado por todos aqueles que afirmam, com firmeza, que o 25 de Abril é para sempre e o fascismo para nunca mais.
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