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O milagre da transformação das mimosas em medronho | FUGA DOS LEITORES

É um quadro bucólico, palavra fora da moda, do romantismo, do tempo das paisagens campestres sentimentais. Agora não há paisagens bucólicas, há abandono e trilhos para caminhadas esgotantes, para os preocupados em contar passos e medir constantemente a frequência cardíaca e percentagens de oxigénio. Terminadas as caminhadas, ofegantes e orgulhosos dos níveis e desníveis acumulados nas leituras GPS e guardados nos mapas que, à noite, se vão publicar nas redes sociais para envaidecimento próprio e pingar pirralha aos amigos. Os que foram, foram ver um ecrã digital no pulso, não olharam.

Já pouco se trabalham os campos, ao abandono das giestas e dos matagais. As florestas já não são locais de saúde física e mental, viveiros de vida, poupanças para os filhos e os netos, são locais caóticos de preocupação. E quem os trabalha, entristeceu há muito. Neste panorama, que história de futuro se pode antecipar numa pequena região despida de gente, desistente, a não ser nas pequenas subsistências de horta à beira da casa? De que podemos falar então? Que palavras podemos colar em tons de esperança? A diáspora da vida abandonou um espaço que se tornou infértil e madrasto.

Nestes lugares de interior, não há iniciativa, não há movimento não há novidade. Porém, estão por germinar em frente dos nossos olhos, opções novas no jogo da vida, e não as vemos, porque não as olhamos. Levou-me o seu tempo a encontrar uma pista, um caminho, mas acabo de visitar os socalcos aprumados de encostas suaves que espraiam as margens na radiância luminosa de um dos rios mais portugueses de Portugal. Um rio telúrico, serrano, sério, que se desfaz correndo ao encontro do enleio com as Tágides de Camões.

É como se nessa visita de deslumbramento, tivesse passado revista a tropas arbóreas, percorrendo calmamente as filas bem cuidadas onde perfilam esses soldados. São medronheiros. O meu anfitrião, Nelson da Silva, explica-me a história do fruto e fá-lo de forma entendida, mas apaixonada, e isso percebe-se na carícia enamorada como toca nos frutos ainda mal nascidos e frágeis.

Numa visão inteligente, estes campos são habitados pelas abelhas. São elas as guardiãs de vida e estão a desaparecer. Nelson dá-lhes guarida. Mais, mima-as porque sabe que sem elas deixaremos de ser viáveis (talvez um favor que se fizesse à natureza). Este jovem empreendedor não fugiu, deixou-se ficar e como é um espírito inquieto, deixou-se ficar a pensar no que poderia ser diferente. Esperou por uma ideia e teve-a. Simples, como são as ideias que levam ao sucesso. Resolveu plantar medronhos e instalar apiários.

Foi paciência, condição fundamental dos que cismam, não desistir. Esperou e o seu jardim deu frutos, e ele aprendeu a fazer. O medronheiro é um ser resistente e resiliente, é um tesouro a explorar. O líquido transparente, mas denso da sua destilação, é uma aguardente delicada, causa estranhamento, depois, um prazer que se vai lentamente desvanecendo na boca, como um perfume francês que fica colado à pele.





A aguardente de medronho poderá ser uma aposta a fazer sentido. Esse pequeno fruto antigo, que todos em cegueiras deixaram de ver, mesmo na frente dos seus olhos, pode ser uma solução, caminhos quem sabe viáveis para virar de página, nestes campos de Figueiró dos Vinhos. Acabei por encontrar um assunto de esperança que me tranquilizasse. E foi nessa tarde plena e cheia que o Nelson da Silva me deu a conhecer a possibilidade de um futuro para um interior desamparado.

Feita a visita, chegamos ao cume dos Caboucos, onde Alex, na solidão que escolheu em liberdade para viver, oriundo de geografias estrangeiras, guardião agora dessas alturas, homem fazendo-se de Deus, adulto com cara de menino curioso, em seus domínios celestiais que afinal são terrenos. Nesse ponto alto onde a vista observa as curvas do rio e as encostas lhe desenham os bordos, sentamo-nos, num banco de automóvel em napa vermelha, num pufe branco desconjuntado e numa cadeira coxa com três pernas, cavaqueando amenamente a admirar a pacatez dos campos e a plenitude das coisas simples, sala de estar a céu aberto, falando banalidades em línguas misturadas com que nos entendemos. Que pujante final de dia.

Falta dizer que conheci finalmente a mestre-de-cerimónias e cozinheira do famoso e quase esotérico restaurante O Baião, na foz do Alge, e deliciei-me com o peixe do rio, frito, e o vinho, o branco, que do tinto é um filho enjeitado que ela já o vê como impróprio (palavras suas). Foi no seu restaurante improvável, que começou esta visita guiada pela gentileza e sabedoria do “Nelson dos medronhos”.

Luís Pires (texto e fotografia)
Blogue: Redondo Vocábulo

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