Desde muito cedo, desenvolvi um intenso trabalho de diálogo com os meus colegas estudantes. Durante o Ensino Básico, ansiava chegar ao Ensino Secundário para finalmente poder concorrer a uma Associação de Estudantes. Para mim, uma AE representa o auge da democracia na vida de um jovem. É o espaço onde se aprende, pela prática, o verdadeiro valor da cidadania.
No entanto, nas últimas semanas, ao iniciar o processo de criação de uma lista para a AE da minha escola, confrontei-me com uma realidade que nunca esperei: a minha visão sobre a democracia estudantil era, afinal, uma fantasia. Uma fantasia porque há uma força obscura, um inimigo, uma ameaça à democracia nas escolas. Falo da crescente influência das agências de viagens de finalistas nos processos eleitorais escolares.
Uma investigação do PÚBLICO, em 2017, revelou que várias agências patrocinam listas candidatas às AEs, oferecendo apoios logísticos, concertos, brindes e até artistas, tudo em troca de um “favor” futuro: a organização da viagem de finalistas da escola. Este negócio informal, mas enraizado, distorce por completo o sentido democrático das eleições. Deixa de vencer a lista com as melhores ideias e passa a triunfar quem proporciona o maior espectáculo.
Este fenómeno não é apenas uma curiosidade do mundo estudantil. É um sintoma preocupante de como os valores democráticos podem ser subvertidos por interesses comerciais, mesmo dentro das escolas. Quando os votos são conquistados com promessas de brindes ou festas, e não com ideias ou projectos, o processo eleitoral perde legitimidade. Pior: transmite aos jovens a mensagem errada de que o poder se conquista por influência e troca de favores e não por mérito, serviço ou visão colectiva.
Os efeitos formativos disto são profundos. Muitos estudantes deixam de ver as AE’s como espaços de representação e passam a vê-las como trampolins para ganhar visibilidade, obter viagens gratuitas ou receber comissões por cada colega angariado para determinada agência. Assim, aquilo que deveria ser uma escola de cidadania torna-se num ensaio precoce de clientelismo. A corrupção, mesmo quando disfarçada de festa, deixa marcas.
A ausência de regulação é chocante. Dirigires escolares, autoridades educativas e federações de pais muitas vezes dizem desconhecer estas práticas, mesmo quando elas acontecem dentro das escolas. Este silêncio, por inércia, desinformação ou conivência, permite que estas estratégias de marketing contaminem um espaço que deveria ser livre e educativo.
Não se trata de demonizar as viagens de finalistas, que são legítimas, importantes e esperadas por muitos. Trata-se, sim, de garantir que o acesso a elas não dependa de pactos informais ou jogos de influência que comprometem a integridade democrática das escolas.
É urgente agir. As escolas devem estabelecer regras claras que impeçam a interferência de entidades comerciais nos processos eleitorais. As campanhas devem centrar-se na discussão de ideias, não na competição de brindes. E os estudantes devem ser desafiados a pensar criticamente sobre o verdadeiro papel de uma AE: representar os seus colegas, lutar por melhores condições e construir pontes dentro da comunidade escolar.
Se queremos formar cidadãos conscientes, livres e críticos, temos de começar por proteger o primeiro espaço onde a maioria de nós aprende o que isso significa: a escola.
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