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O temperamento como atributo técnico | Opinião

Jorge Costa é um dos raríssimos casos em que o futebol esteve perto de dizer a verdade. Foi uma daquelas personagens principais que o jogo costuma esconder atrás do valor imperfeito dos golos, das grandes transferências e dos milhões, mas furou esse bloqueio. Lega-nos a estranha ideia de que existe um futebol alternativo onde, às vezes, as coisas realmente importantes ganham e outras, como o narcisismo, a jactância e a leveza de carácter, saem a perder.

Há, pelo menos, quatro grandes finais internacionais que demonstram a principal conquista do antigo capitão do FC Porto: transformar o temperamento num atributo técnico de alto rendimento. Jorge Costa perdia em velocidade para muitos outros centrais, mais ainda depois de várias lesões graves, e também não os superava no trato da bola. Vencia-os pela inteligência, pela personalidade e pelo respeito inevitável.

No futebol, há sempre dois jogos, aquele que vemos e aquele que corre abaixo da superfície. É uma competição pelos nervos, pelo desconforto do adversário, um pingue-pongue de inquietações. Se fraquejas, se te encolhes, estás acabado. A importância de ter um comandante inquebrável nessas batalhas nunca será descrita pela estatística, nunca constará das fichas de jogo, e mesmo os cronistas mais perspicazes só saberão abordá-la pela rama. Quantos pontos vale a personalidade? A carreira de Jorge Costa (22 títulos) aproxima-nos tanto quanto possível de uma resposta.

Dos campeões mundiais de sub-20 em 1989 e 1991, só três ganharam também a Liga dos Campeões (Figo e Rui Costa) e só quatro (Fernando Couto) venceram taças europeias. Apenas um, Jorge Costa, conseguiu fazê-lo sem sair de Portugal. Em 2002, aos 30 anos e com três roturas de ligamentos no currículo, estava exilado no Charlton Athletic, em conflito com o treinador Octávio Machado, e matutando na reforma. Mourinho convenceu-o a voltar.

Há duas décadas, as operações aos joelhos deixavam marcas bem mais pesadas. As recuperações eram violentas e as sequelas sempre dolorosas. Continuar a jogar após três roturas era impensável (ainda hoje soa improvável), mas em 2002-03, Jorge Costa completou 3620 minutos, distribuídos por 41 jogos. Nessa época, ganhou a Liga Europa e, na seguinte, a Liga dos Campeões. “Há os capitães e há os líderes”, comentou Mourinho sobre ele, anos depois. “Os líderes não se compram, nem se formam.”

As lesões ligamentares bastariam para ilustrar o jogador-personalidade. No FC Porto de 2002 a 2004, foram um emblema exibido em permanência aos colegas, mas não eram a única luta de Jorge Costa. Já antes da saída para o Charlton, o FC Porto considerava-o acabado (as limitações físicas eram, por vezes, evidentes) e grande parte da crítica concordava, por razões que já veremos. Só os rápidos resultados pacificaram a discórdia. A sociedade com Ricardo Carvalho, um miúdo em ascensão, fez o resto. De um lado o cérebro, do outro a energia bem comandada. No final, a transferência do parceiro (para o Chelsea e depois para o Real Madrid) foi sentida quase a meias, como uma compensação pela carreira internacional que Jorge Costa nunca quis e que, de qualquer maneira, as roturas sempre entravaram com notável sentido de oportunidade.

No arranque da primeira época com Mourinho, Jorge Costa deixara para trás a selecção, apesar de ter sido titular até ao fim. As escolhas tácticas de António Oliveira (seu antigo treinador no FC Porto) ajudaram à decisão. Portugal arranca o Mundial de 2002 a perder com uma banal equipa dos Estados Unidos (2-3). Oliveira opta por um onze desequilibrado, sem meio-campo, e a dupla de centrais (com Fernando Couto) fica exposta a uma rara humilhação que a crítica não perdoa. Jorge Costa é substituído por Jorge Andrade aos 73 minutos. Estava 0-3, um dos golos marcado por ele na própria baliza, no culminar de uma manhã desesperante. Fez os dois jogos restantes completos, mas já tirara as suas conclusões. No rescaldo da eliminação, o nome constava da lista de culpados oficiais. A carta de apresentação perfeita para o regresso ao FC Porto no mês seguinte.

Não obstante, em Julho, Jorge Costa voltava a entrar nas Antas. Um defesa em fim de carreira, recauchutado, vítima de um vexame na selecção e olhado com desconfiança até pelos adeptos, porque na origem do conflito com Octávio Machado havia estado uma braçadeira, alegadamente, atirada à relva antes de uma substituição (na verdade, o capitão lançara-a na direcção do colega Capucho). Mas, no fim de tudo isso, continuava a ser Jorge Costa e Jorge Costa nunca se deixaria perturbar por ninharias.

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