Os portugueses e portuguesas que estão na força da vida, todos eles e elas, nasceram, cresceram e estudaram (pelo menos, até ao 9.º ano) em liberdade, numa democracia que fomos aprendendo a construir e que, hoje, com todos os defeitos que possa ter, conserva a liberdade. É esta liberdade, associada à incapacidade da classe política para dar solução às nossas, por demais conhecidas, dificuldades em, praticamente, todos os domínios da governação, que tem permitido aos inimigos da democracia, procurar destruí-la.
Aos seguidores dos que propalam, em discursos populistas, as ideias de um passado de sufoco, que prendeu, torturou e assassinou muitos dos que lutaram pela liberdade, importa dar-lhes a conhecer o que era, por exemplo, a escola pública do Estado Novo de Salazar, de que sou testemunho.
Visando banir os projectos educacionais da Primeira República, a orientação política estampada na Constituição de 1933 alterou a formação de professores, substituiu os programas, adaptando-os à nova ideologia, separou os sexos, além de que reduziu a escolaridade obrigatória para três anos.
Em 1936, tinha eu cinco anos, com Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se da Instrução Pública), reforçara-se o papel da escola no controlo ideológico e orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural.
O fervor patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e mulheres do futuro.
Foi esta a escola, com esta ideologia, que foi a minha.
Nesses anos, o ensino escolar obrigatório terminava com o exame da 3.ª classe (3.º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor.
Ler, escrever e contar, era tudo o que o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para quatro anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.
A par desta triste realidade, uma outra era a dos “postos escolares”. Na imensa maioria mulheres, as “regentes escolares” eram agentes de ensino à frente dos chamados “postos escolares” que sucederam às “escolas incompletas”, criadas em 1930, com o propósito, dizia-se, de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Ganhavam metade do ordenado de um professor, eram, de preferência, oriundas dos próprios locais, bastava que possuíssem a 4.ª classe e que demonstrassem ter bom comportamento moral e adesão ao regime.
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