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O triângulo rosa e a hipocrisia da liberdade: a história não pode se repetir | Opinião

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“Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.” A advertência de George Santayana nunca foi tão atual. Em 2025, nos Estados Unidos, a história parece repetir padrões alarmantes que víamos como superados. No centro dessa regressão está Donald Trump, que, em seu segundo mandato, intensifica ataques contra minorias e desafia os próprios princípios democráticos que dizem definir o país.

Seu mais recente gesto — compartilhar na rede Truth um triângulo rosa com um sinal de proibição — não é apenas um símbolo. É um recado. Durante o regime nazista, assim como os judeus eram forçados a usar uma estrela amarela, pessoas LGBTQIA+ eram obrigadas a carregar um triângulo rosa invertido, o chamado Rosa-Winkel, mais uma marca de perseguição.

A criminalização da homossexualidade na Alemanha começou muito antes de Hitler, com o parágrafo 175 do Código Penal, em vigor desde 1871. Mas foi sob o nazismo que essa perseguição atingiu seu auge. Em 1936, Heinrich Himmler criou o Escritório Central para o Combate à Homossexualidade e ao Aborto, concedendo à polícia o poder de prender qualquer pessoa considerada uma ameaça à “moralidade alemã”.

Neste contexto, cerca de 15 mil homens acusados de homossexualidade foram enviados a campos de concentração; a maioria morreu de exaustão, fome ou em experimentos médicos brutais, de acordo com o Holocaust Memorial Day Trust. O triângulo rosa, antes um símbolo de opressão, foi posteriormente ressignificado como um emblema de resistência e orgulho pela comunidade LGBTQIA+.

Ao reutilizá-lo de forma distorcida, Trump não apenas ignora seu legado, como também se aproveita do desconhecimento histórico e do revisionismo para reciclar símbolos da intolerância e transformá-los em novas ferramentas de ódio. Mais alarmante do que a escolha desse símbolo é o conjunto de políticas que seu governo tem implementado para legitimar a exclusão de minorias, consolidando um projeto político que ameaça direitos fundamentais e enfraquece a democracia.

Trump e seus aliados se autoproclamam defensores da liberdade, princípio defendido na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos e que garante a liberdade de expressão, associação e crença. Contudo, esse direito parece valer apenas para aqueles que se encaixam em sua visão retrógrada de mundo.

Se liberdade significa poder portar armas sem restrições ou censurar livros que questionam ideais conservadores, Trump e seus apoiadores estão prontos para defendê-la. Porém, quando se trata do direito das pessoas LGBTQIA+ de existirem publicamente, de acessarem cuidados médicos ou de servirem no Exército, tal liberdade é invalidada.

Pouco depois de reassumir a presidência, Trump tornou “política oficial” a ideia de que existem apenas dois gêneros — masculino e feminino. Em questão de dias, seu governo assinou uma ordem executiva proibindo pessoas trans de servirem nas Forças Armadas. As políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) foram erradicadas do governo federal sob o argumento de que seriam “discriminatórias, ilegais e imorais”.

O presidente americano não é o único a defender o que chamarei de “autoritarismo moral”. Ele faz parte de um padrão global de ataques à comunidade LGBTQIA+, replicado em países como Polônia, Hungria e Rússia.

Na Polônia, o governo do Partido Lei e Justiça (PiS) criou “zonas livres de LGBT”, incentivando perseguições e violência contra a comunidade queer. A retórica anti-LGBT foi usada como uma ferramenta política para consolidar a base ultraconservadora do governo.

Na Hungria, Viktor Orbán aprovou leis que proíbem qualquer menção positiva à homossexualidade na mídia e na educação, numa tentativa deliberada de apagar a existência da comunidade LGBTQIA+ do espaço público.

Na Rússia, Vladimir Putin endureceu ainda mais as chamadas leis de “propaganda LGBT”, criminalizando qualquer forma de ativismo ou defesa dos direitos queer. Em 2023, seu governo baniu qualquer representação positiva de relacionamentos homoafetivos, um passo claro rumo ao silenciamento completo da comunidade através do medo e da repressão. Esse modelo de controle social, que usa a exclusão de minorias como pilar central, ecoa em outras partes do mundo — incluindo os Estados Unidos.

Apesar da retórica do presidente americano e de seu vice, JD Vance, que afirmaram que o republicano conquistaria o voto da “maioria dos gays normais” (sabe-se lá o que o termo significa), os números contam uma história diferente. Uma pesquisa da NBC News revelou que menos de um em cada cinco eleitores LGBT do sexo masculino votou em Trump, enquanto, entre mulheres LGBT, esse número foi ainda menor: apenas 8%.

No geral, 82% dos eleitores LGBT brancos e 91% dos eleitores LGBT não brancos rejeitaram a candidatura de Trump. Os dados mostram que a comunidade compreende o que está em jogo: o republicano não representa a liberdade, mas, sim, um projeto político que busca apagar direitos conquistados e marginalizar grupos inteiros.

Esse padrão fica ainda mais evidente quando olhamos para suas políticas e discursos. Trump não quer proteger a Constituição dos EUA, quer reescrevê-la para servir a um projeto de poder ultraconservador, baseado na eliminação de qualquer um que não se encaixe em sua visão de mundo. Suas ações falam por si.

A resistência a essa agenda, no entanto, não desaparece. A bispa de Washington, Mariann Edgar Budde, criticada por Trump por pedir misericórdia para imigrantes e pessoas LGBTQIA+ continua sendo uma voz ativa contra a intolerância. Sua mensagem é clara e urgente: “Se perdermos de vista nossa obrigação moral de proteger os mais vulneráveis, perderemos o direito de nos chamar de uma nação justa.”

Em um momento em que símbolos históricos de opressão são reciclados e reintroduzidos no discurso público, não podemos fechar os olhos. A história já mostrou o que acontece quando ignoramos os primeiros sinais de exclusão sistemática. Estamos vendo a esfera pública se fechar, a democracia se enfraquecer e a exclusão de minorias ser normalizada ou até mesmo ignorada. A pergunta que fica é: vamos permitir que a história se repita?

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