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Os municípios portugueses: 308 para 90 mil km2 de território

À primeira vista, explica Gonçalo Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, pode parecer um número elevado para um país desta dimensão. No entanto, Portugal é um território com municípios relativamente grandes no contexto europeu.

Ocupamos a 7.ª posição em termos de número de habitantes por município, à frente da Alemanha, Espanha e França. Em média, cada município português tem quase 34 mil habitantes, o que nos coloca muito à frente dos pouco mais de cinco mil habitantes por município que correspondem à média da UE.

Municípios com mais gente e também com mais território

Em termos de dimensão do território, a situação repete-se. Os municípios portugueses têm em média cerca de 300 km2, quase seis vezes mais do que a média territorial na UE, que é de 52 km2.

Estas duas dimensões, habitantes e território, explicam porque Portugal, que não tem processos de fusão municipal desde o século XIX, não acompanhou as recentes reformas de fusão no contexto da UE.

O objetivo destas fusões foi tentar alcançar economias de escala na implementação de políticas, aumentando a sua eficiência. Na UE, estas alterações resultaram numa diminuição de cerca de 12% do número de total de municípios, os quais têm agora muitos mais habitantes. Nas últimas duas décadas, aliás, houve países como a Dinamarca e a Grécia que diminuíram o seu número de municípios em mais de 50%.

No caso português, as médias escondem, no entanto, grandes diferenças a nível municipal.

Gonçalo Matias explica que há uma grande diversidade, o que prova a necessidade de respostas diferenciadas. Afinal, falamos de 278 municípios no continente e de 30 nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

49 municípios, 15% do total, têm menos de 5 mil habitantes. É o caso de Vimioso, em Trás-os-Montes. Por outro lado, há três municípios em Portugal que contam com mais de 300 mil habitantes: Vila Nova de Gaia, Lisboa e Sintra.

O mesmo se passa com a dimensão territorial

Curiosamente, o município mais pequeno não se encontra numa ilha, como seria de esperar, mas sim em Portugal continental. Apesar da perceção comum de que territórios insulares dos Açores e da Madeira têm áreas mais reduzidas, São João da Madeira, no norte do país, é o município mais pequeno de Portugal com apenas 8 km2.

Já o maior em termos de território é Odemira, tem 1721 km2. Típico do sul do país, com territórios mais extensos e menos fragmentados. No Alentejo, em particular, onde há muitos latifúndios, os municípios tendem a ocupar grandes áreas, com menos população e forte presença de paisagens rurais e agrícolas.

E a densidade populacional dos municípios?

Em média situa-se nos 72 habitantes por km2. Mas há um município com apenas 4 habitantes por km2, Alcoutim, e outros com vários milhares. A Amadora, por exemplo, tem mais de 7 mil habitantes por km2.

Como estamos nos dados das freguesias por município?

Há um município com 61 freguesias, que é Barcelos, no distrito de Braga, e vários com apenas um freguesia. Por exemplo São Brás de Alportel, que fica no distrito de Faro.

As diferenças entre os municípios têm vindo a acentuar-se?

A verdade é que a população residente em Portugal está cada vez mais concentrada em poucos municípios, os quais se localizam, predominantemente, no litoral. Isto faz com que atualmente, a esmagadora maioria da população portuguesa (80%) resida em apenas 30% do total de municípios e que 4 em cada 10 municípios portugueses tenham menos de 10 mil habitantes.

Com exceção de alguns casos pontuais, os únicos municípios que cresceram, em população, nos últimos 20 anos, localizam-se precisamente no litoral.

Em apenas 10 anos, 259 dos 308 municípios do continente perderam população, o que equivale a 84%. À conta destas transferências de população, o município de Lisboa tem, atualmente, mais residentes do que todo o Alentejo e Algarve.

O que explica este fenómeno de litoralização e despovoamento do interior do país?

Há várias razões que explicam a deslocação da população para o litoral do país, com as consequentes pressões sobre o mercado da habitação, os serviços, as infraestruturas e o meio ambiente.

Desde logo, a transformação da nossa economia nas últimas décadas. O declínio do setor primário, que inclui a agricultura, a pesca ou a mineração, correspondeu a um aumento de atividade dos setores secundário e terciário, isto é, das indústrias e dos serviços, que são de maior concentração urbana. Esta transformação traduziu-se em mais oportunidades de emprego no litoral, sendo o turismo uma área muito relevante neste âmbito, no nosso país.

Por outro lado, assistimos ao declínio da ferrovia. O investimento numa ampla rede de estradas alavancou sobretudo o litoral e as áreas metropolitanas, facilitando a mobilidade e a fixação da população nessas zonas.

Finalmente, a oferta de serviços públicos – escolas, centros de saúde, espaços culturais -, é bastante mais diversa no litoral e condiciona a escolha do local de residência das famílias que preferem estar próximas destes serviços.

Um interior cada vez mais despovoado e, por consequência, envelhecido

O envelhecimento afeta todo o território nacional, mas em particular as zonas mais rurais. Os idosos superam os jovens em todo o território, mas a discrepância nas áreas rurais é gritante. Em cada 10 pessoas que residem nestas zonas, cerca de 8 são idosas.

Menos jovens significam menos nascimentos, isto é, baixos níveis de natalidade.

Este ciclo de despovoamento é muito difícil de quebrar e tem consequências na economia e até no meio ambiente. Com o abandono de terras agrícolas e florestais verifica-se um aumento do risco de incêndios e degradação ambiental.

Além disso, a nível político, a litoralização enfraquece a representatividade política do interior e dificulta a implementação de políticas de coesão territorial.

O que se entende por políticas de coesão territorial?

No fundo, estamos a falar de políticas que façam com que o desenvolvimento dos territórios dentro de um mesmo país seja equilibrado e não assimétrico. Pretende-se que os índices de bem-estar em algumas regiões não sejam persistentemente mais baixos do que noutras, isto é, que os cidadãos tenham uma qualidade de vida idêntica em todo o território nacional. A centralização não ajuda a concretizar este objetivo.

A verdade é que, mesmo após as recentes transferências de competências para as autarquias, Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas, Portugal é um dos países mais centralizados de toda a OCDE. No fundo, a relação entre os diferentes níveis de governo ainda é dominada por uma lógica de subordinação da administração local ao Estado central, o que dificulta muito a afirmação das autarquias como agentes de políticas públicas.

Como é que medimos esta centralização? Por exemplo, através da despesa pública efetuada. O peso da despesa pública subnacional no total da despesa pública, isto é, os gastos efetuados pelo poder local indicam até que ponto o governo descentralizou a prestação de bens e serviços públicos no país.

Na UE27, esta despesa representou em média 27,3% da despesa pública total em 2024, bastante acima do valor registado em Portugal, que foi de 14,7%. Em países como a Dinamarca, a Bélgica ou a Espanha, este valor ultrapassa os 50%.

Mas poderíamos mencionar aqui outros indicadores. Por exemplo, Portugal é dos poucos países da OCDE onde o emprego na administração central representa mais de 80% da totalidade do emprego público (média OCDE – 43%). Este é um indicador de dependência e subordinação ao Estado central.

A forma como os municípios em Portugal alocam as suas despesas também difere dos restantes países da UE?

Sim. Em Portugal, mais de metade das despesas locais são relacionadas com questões administrativas e infraestruturas (por exemplo, manutenção de estradas e espaços públicos, equipamentos, saneamento básico, entre outros). O inverso ocorre nos países mais descentralizados, que tendem a gastar mais em serviços sociais, saúde e educação. Vejamos os casos da Dinamarca e da Suécia, aqui assinalados.

Só em Portugal, Chipre, Malta, Espanha e Grécia, se verifica a situação de mais de 60% das despesas municipais serem destinadas a serviços gerais e infraestruturas.

Porque é que isto é um problema? No fundo, porque os municípios são menos capazes de adaptar os serviços às características demográficas e socioeconómicas da sua população. São dadas respostas uniformes e insuficientes a problemas de natureza diferente.

Além disso, as grandes cidades acabam por beneficiar mais de investimentos e serviços prestados pelo Estado central, o que lhes confere mais autonomia, enquanto os municípios do interior e de menor dimensão ficam mais dependentes das decisões e das transferências do poder central, perpetuando desigualdades regionais.

Porque é que isto acontece? É a lei que incentiva a centralização dos poderes?

A verdade é que Portugal é um dos países europeus com maior autonomia formal do poder local, isto é, se tivermos em consideração apenas a letra da lei, mas dos mais limitados no uso dessa autonomia na prática.

Vejamos o Índice de Autonomia Local, usado pela Direção Geral para as Políticas Regionais e Urbanas da Comissão Europeia, que mede diferentes dimensões da autonomia dos municípios.

A primeira variável diz respeito à autonomia formal, ou seja, à proteção constitucional da decisão das autarquias relativamente aos interesses próprios das suas populações e territórios. Nesta dimensão, jurídica, Portugal partilha o 1º lugar com vários países da UE.

Também em termos de autonomia organizacional, isto é, a liberdade dos municípios para decidirem sobre a sua própria estrutura, meios e capacidade organizacional, estamos bem posicionados – acima da média, aliás.

No entanto, na prática, há obstáculos.

No âmbito de atuação em políticas públicas, ou seja, em que áreas de política pública e com que profundidade podem os municípios efetivamente agir, Portugal está significativamente abaixo da média europeia, a par de países como a Grécia, Malta, Chipre e Croácia. Já países mais descentralizados como a Alemanha, a Suécia e a Dinamarca, estão cerca de 30 pontos acima de nós nesta dimensão.

A verdade é que grande parte das receitas municipais provêm de transferências do Estado e não de impostos locais (como em países mais descentralizados), limitando a capacidade das autarquias para investir em áreas como saúde e educação, pois essas despesas continuam a ser decididas e financiadas centralmente.

Também nos encontramos abaixo da média da UE em termos de discricionariedade política dos municípios. Quer isto dizer que para tomar decisões finais os decisores locais têm menos liberdade e autonomia do que os congéneres europeus.

Municípios com maior poder de intervenção e um Estado menos centralizado poderão melhorar a economia e aumentar a qualidade da democracia?

Sim, isso ajudaria a reduzir ineficiências na alocação de recursos, melhorar a celeridade dos processos e diminuir as graves assimetrias regionais que enfrentamos. No fundo, precisamos de capacitar os poderes locais como verdadeiros agentes de políticas públicas.

Além disso, vários exemplos demonstram que a um maior nível de autonomia local estão associados melhores resultados em termos de qualidade da democracia e do envolvimento cívico dos cidadãos.

A recente transferência de competências para as autarquias poderá contribuir para alterar gradualmente esta realidade, mas a eficácia dependerá da transferência de recursos financeiros adequados para os municípios e de uma maior autonomia que lhes permita adequar as políticas públicas às especificidades das populações locais.

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