O trabalho híbrido e remoto deixou de ser excepção para se tornar a nova norma. Como estão as empresas a adaptar-se a esta realidade?
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Quando a pandemia obrigou milhões de trabalhadores a abandonarem os seus escritórios praticamente de um dia para o outro, poucos imaginavam que estaríamos, anos depois, a assistir não a um regresso à normalidade, mas à consolidação de uma transformação profunda na forma como trabalhamos. O que começou como medida de emergência revelou-se uma experiência global sem precedentes, que colocou em causa décadas de pressupostos sobre produtividade, colaboração e cultura organizacional. Hoje, as empresas deparam- se com um desafio complexo: como construir modelos de trabalho que conciliem a flexibilidade que os colaboradores passaram a valorizar com a necessidade de manter equipas coesas, produtivas e alinhadas com os objectivos estratégicos?
A resposta não é simples nem universal. O que se observa é uma multiplicidade de abordagens, mas é no modelo híbrido que a maioria das organizações tem encontrado o seu caminho. Este modelo, que combina dias de trabalho presencial com períodos remotos, promete o melhor dos dois mundos: a flexibilidade e autonomia que os trabalhadores desejam, aliadas aos momentos de interacção presencial que fortalecem relações e alimentam a cultura empresarial.
Contudo, a implementação bem-sucedida destes novos modelos exige muito mais do que simplesmente permitir que as pessoas trabalhem de casa alguns dias por semana. Exige uma reconceptualização profunda de políticas, processos, tecnologias e mentalidades. As organizações que estão a destacar-se são aquelas que compreenderam que o trabalho híbrido não é uma questão de localização física, mas de como se cria valor e se mantém viva a identidade organizacional num contexto cada vez mais distribuído.
Um dos aspectos mais críticos prende-se com a equidade. Quando parte da equipa está no escritório e outra trabalha remotamente, existe o risco real de criar cidadãos de “primeira e segunda classe”. Trabalhadores remotos podem sentir-se excluídos de conversas informais, ter menos visibilidade junto da liderança e enfrentar dificuldades em aceder a oportunidades de desenvolvimento. Grandes organizações como a Vodafone têm desenvolvido protocolos específicos para combater este fenómeno, garantindo que todas as reuniões incluam mecanismos que asseguram a participação equitativa. Isto passa por investir em tecnologia de videoconferência de qualidade, estabelecer normas sobre como conduzir reuniões híbridas e formar líderes para estarem atentos aos sinais de exclusão.
A produtividade tem sido outro tema central. Contrariamente aos receios iniciais, os dados sugerem que o trabalho remoto não a prejudicou – em muitos casos, até a aumentou. Trabalhadores remotos tendem a trabalhar mais horas, ter menos interrupções e reportar níveis mais elevados de concentração. No entanto, esta medalha tem o seu reverso: o risco de burnout disparou. A dissolução das fronteiras entre vida pessoal e profissional, a pressão para estar sempre disponível e a dificuldade em desligar criaram novos desafios que as empresas não podem ignorar.
As organizações mais avançadas estão a responder com políticas concretas como o direito a desligar, períodos sem reuniões e formação em gestão de energia. Reconhecem que a responsabilidade pela saúde mental dos colaboradores não pode ser delegada exclusivamente para o indivíduo – é necessária uma abordagem sistémica que inclua políticas claras, cultura de apoio e liderança exemplar.
A tecnologia tem sido o alicerce sobre o qual estes modelos se constroem, mas a proliferação de plataformas criou novos problemas. A fadiga digital é real, e a sensação de estar permanentemente ligado pode ser desgastante. Por isso, as empresas estão a consolidar ferramentas, estabelecer normas sobre quando usar cada canal e investir na literacia digital das equipas.
LIDERANÇA E CULTURA: OS PILARES DA TRANSFORMAÇÃO
O modelo tradicional de liderança – baseado na supervisão directa e controlo – está profundamente desajustado. Liderar equipas distribuídas exige capacidade de gerar confiança à distância, comunicação mais intencional, foco em resultados e sensibilidade para detectar sinais de desmotivação através de ecrãs. As organizações que estão a ter sucesso investiram no desenvolvimento das suas lideranças, com programas de formação que abordam a criação de rituais de equipa à distância, gestão de desempenho baseada em objectivos e construção de cultura sem proximidade física.
Empresas de referência têm adoptado a “liderança empática” como pilar central, reconhecendo que cada colaborador enfrenta circunstâncias únicas. Em vez de impor um regime único, estas organizações exploram abordagens personalizadas, permitindo que equipas definam os seus próprios arranjos, desde que os objectivos sejam cumpridos.
Esta personalização estende-se ao redesenho dos espaços de escritório. Num modelo híbrido, o escritório precisa de justificar a deslocação. Muitas empresas estão a transformar os seus espaços com menos secretárias fixas e mais áreas de colaboração flexíveis. O escritório deixa de ser o local de tarefas rotineiras e passa a ser o espaço privilegiado para actividades que beneficiam da presença física: construção de relações, inovação colaborativa e celebração de conquistas.
O desafio mais subtil é a preservação da cultura organizacional. A cultura sempre se alimentou de elementos intangíveis que, num ambiente distribuído, rareiam. As empresas estão a responder de formas criativas, desde semanas de cultura presenciais até rituais digitais que criam senso de pertença. Grandes organizações têm demonstrado que é possível manter uma cultura forte num ambiente híbrido, mas isso exige intencionalidade: comunicação regular sobre valores, múltiplos canais para feedback e líderes que modelam os comportamentos desejados.
Os modelos híbridos têm também o potencial de democratizar o acesso ao talento, permitindo recrutar pessoas que estariam excluídas por questões geográficas ou de mobilidade. No entanto, este potencial só se concretiza com práticas verdadeiramente inclusivas – desde processos de recrutamento que não privilegiem candidatos locais até políticas de progressão que não penalizem quem trabalha remotamente.
As empresas estão a descobrir que a flexibilidade não é estática. O que funciona hoje pode não funcionar amanhã. Por isso, as políticas mais eficazes incorporam mecanismos de revisão regular e estão dispostas a experimentar e aprender. Trata-se de uma jornada contínua de optimização.
À medida que olhamos para o futuro, torna-se claro que os novos modelos de trabalho vieram para ficar. Não se trata de uma moda passageira, mas de uma mudança estrutural na forma como concebemos a relação entre trabalho e vida, entre produtividade e presença, entre controlo e confiança. As organizações que prosperarão serão aquelas que encaram esta transformação como uma oportunidade para repensar fundamentalmente como criam valor e constroem ambientes onde as pessoas possam dar o seu melhor contributo, independentemente de onde estejam. O escritório do futuro não é um lugar – é uma experiência.
Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 178) da Human Resources.
Disponível nas bancas e online, na versão em papel e na versão digital.
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