A chegar ao milhão de euros de facturação anual, os empresários Vera Caldeira e Pedro Ferraz anunciaram subitamente o fecho da marca de moda Mustique. Sem revelarem o que se seguia, venderam todo o stock de roupa a preço de saldo. Por que motivo uma marca havia de fechar no pico da sua popularidade? Tratava-se afinal de uma mudança de estratégia, motivada pelo desejo de crescimento internacional, com foco nos EUA, onde agora se afigura a incerteza nas exportações. “Não estamos a começar do zero na Gandaia, como fizemos na Mustique. Esta é uma nova oportunidade para continuarmos a crescer”, declara Vera Caldeira.
Os dois empresários encontram-se com o PÚBLICO na loja da marca em Santos, Lisboa, por estes dias ainda em obras para a reabertura com o novo nome, lançado oficialmente nesta quinta-feira. “O investimento para esta mudança foi à volta dos 200 mil euros. E tivemos de ir buscar [ao banco] 150 mil euros para nos ajudar a concretizar tudo o que queríamos. Acreditamos que isto é para continuar a crescer e a vender mais”, avança Pedro Ferraz, que explica que, na Gandaia, escalaram a produção face ao que tinham feito no ano passado na Mustique. “Este Verão vamos produzir dez mil unidades e, no ano passado, produzimos sete mil.”
A paragem estratégica, que envolveu o registo internacional da Gandaia (gíria para “vida ociosa, dedicada ao divertimento, sem preocupações ou deveres”, diz o dicionário), foi também uma oportunidade para repensarem o projecto com outra maturidade. “Quando começámos a Mustique, éramos muito novos — tínhamos pouco mais de 20 anos — e tínhamos pouca experiência”, recorda Vera Caldeira, que explica que a iniciativa partiu do amigo Pedro que estudou gestão e “tinha vontade” de ter um negócio próprio.
A “ingenuidade” da juventude fez com que viajassem para a Índia sem quaisquer contactos, levando apenas na bagagem a ideia de criar “uma marca de camisas com padrões”, sem quaisquer noções de design de moda ou modelagem. E assim foi durante dois anos: produziam as ditas camisas na Índia e vendiam em Portugal. “Há oito anos, os portugueses eram muito mais conservadores na forma de vestir”, reaviva. Mas o projecto começou a ganhar dimensão, impulsionado pela aposta na comunicação e nas redes sociais, e foi preciso encontrar uma forma de produção que também reflectisse a qualidade que queriam dar à etiqueta.
A pandemia foi o impulso necessário para deslocarem a Mustique para Portugal, o que permitiu melhorar a qualidade da confecção e agilizar a logística. Contudo, não escondem que tenha sido (ainda seja) um desafio para uma marca de pequena escala trabalhar com fábricas portuguesas, habituadas a responder a grandes encomendas de marcas internacionais. “Foi complicado para nós porque estamos a falar de preços que não têm nada a ver com os praticados na Índia”, justifica Pedro Ferraz que, todavia, evoca não só as vantagens da qualidade, como em termos de sustentabilidade e de direitos humanos.
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EUA como “sonho”
Até porque 60% do negócio continua a ser para Portugal, ainda que os turistas que passam pelas duas lojas em Lisboa sejam a grande fatia dos clientes, tal como os estrangeiros a viver na vidade. Contudo, almejam fazer crescer a facturação internacional com a aposta no segmento do retalho. “Nós queremos ser conhecidos em Portugal e em Lisboa e valorizamos isso imenso”, diz Vera. E Pedro completa: “Mas Portugal é insuficiente e uma das razões por que crescemos foi porque vendemos lá para fora.”
Apesar da pretensão de focar a Gandaia no segmento internacional, sabem que já outras marcas tentaram e falharam nesta missão. Portugal continua a ser sobretudo conhecido pela produção de private label, mas não pelas marcas de moda, reconhecem. “É preciso muito dinheiro para levar uma marca lá para fora e para ir a feiras. E não há investimentos nestas pequenas empresas para ajudar a crescer. A maneira como somos taxados é uma brutalidade”, queixa-se Pedro Ferraz.
Vera Caldeira fala de custos como a publicidade nas redes sociais que é essencial para que consigam “competir com marcas maiores”, mas sabe que é difícil ter esse dinheiro para investir. “Há muitas marcas que começam todos os anos e vão acabando. Tudo custa muito dinheiro”, lamenta. Só ao final do terceiro ano da marca, é que o projecto começou a dar lucro e os dois empresários “a receber um salário”, dizem.
E agora será quase como voltar a esse ponto, sobretudo pelo desejo de conquistar os EUA. “Já estão no nosso top de mercados com mais vendas, atrás do Reino Unido, Espanha, França e Alemanha”, enumera Pedro Caldeira, que se confessa “com bastante medo” face à imposição de taxas alfandegárias por parte da Administração de Donald Trump. “Não sei o que esperar. Não sei quanto é que nos pode afectar. Mas é uma coisa em que temos andado a pensar bastante”, responde, sem detalhar os planos da Gandaia para responder às anunciadas taxas. “É o nosso principal mercado de sonho”, afiança Vera Caldeira.
Mas em que medida é que a Gandaia não será apenas um reencarnação da Mustique? “Aproveitamos esta mudança para a marca amadurecer no design. Vamos ter uma maior parte da colecção com designs mais atemporais”, desvenda a empresária. Mantêm-se os padrões “coloridos e divertidos”, agora desenhados por um designer interno, já que nem Vera, nem Pedro são criadores de moda, nem têm pretensão de sê-lo. Chegaram a apresentar na ModaLisboa uma vez, mas têm dúvidas se é esse o caminho para o projecto. “Nós fazemos roupa para as pessoas usarem e comprarem. Não é como se tivéssemos um atelier”, sublinha Pedro.
Para eles, a moda é um negócio e é um interesse comercial. Talvez essa perspectiva seja o segredo do negócio e esperam alcançar “finalmente” o milhão de euros de facturação com a Gandaia em 2025. “Vamos ultrapassar o milhão, não tenho dúvidas”, termina o empresário.
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