Plástico, oh plástico. Outrora uma maravilha do mundo moderno. Surgiu como a invenção que simplificou os nossos estilos de vida, melhorou a nossa forma de comunicar, consumir, viajar e revolucionou os campos da medicina, da ciência e da tecnologia. Hoje em dia, tornou-se uma praga omnipresente que infesta o oceano que nos alimenta, a água potável que bebemos, os alimentos que comemos e até mesmo o ar que respiramos. O plástico foi encontrado no cérebro humano, na corrente sanguínea, na placenta, nos testículos e nos pulmões, mas ainda não compreendemos totalmente as consequências disso. Apesar desta realidade alarmante, a resistência política continua forte contra as medidas necessárias para acabar com a poluição plástica. Mas porquê?
Os plásticos representam o chassis do capitalismo — permitiram não só a inovação para o desenvolvimento socioeconómico em todo o mundo, mas também servem de capa para o excesso extremo, incorporando uma busca contínua pelo que parece ser uma necessidade interminável de crescimento e consumo, que vai além dos limites sustentáveis. É o brasão perfeito de um sistema que cria necessidades, não bem-estar, e prioriza o lucro em detrimento das pessoas e do planeta.
A conveniência que os plásticos oferecem tem um custo monumental, que estamos apenas a começar a compreender. Enquanto os nossos recursos naturais estão a entrar em colapso porque têm sido explorados até ao limite da sua capacidade, cada garrafa e cada saco de plástico, cada copo de café descartável — mesmo os de “papel”— serve como um lembrete do nosso enraizamento num ciclo de consumo e descartabilidade. Uma “cultura do descartável” impulsionada por ganhos de curto prazo que comprometem a sustentabilidade global de longo prazo.
Este sistema levou a sociedade moderna a um ponto em que o excesso assume o lugar do condutor, a necessidade fica no banco de trás, a suficiência é esquecida no porta-bagagens e a saúde ambiental e os direitos humanos básicos nem sequer estão no carro. E o rasto deixado por este veículo é a degradação ambiental, a crise climática, desigualdades sociais e problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade.
Por reconhecer estes efeitos negativos, a Assembleia Ambiental das Nações Unidas decretou a criação de um instrumento global para acabar com a poluição por plásticos, abordando todo o seu ciclo de vida, e incluindo o ambiente marinho. Este Tratado Global dos Plásticos deveria ter sido concluído até ao final de 2024, no quinto comité de negociação do tratado (o INC-5) que decorreu em novembro, em Busan na Coreia do Sul mas, infelizmente, os 193 países membros das Nações Unidas não chegaram a um acordo. Assim, foi decidido realizar o INC-5.2, que irá decorrer em agosto, entre os dias 5 e 15 em Genebra, Suíça.
Este tratado deve dar prioridade a soluções a montante para combater eficazmente a poluição por plásticos na sua origem. No entanto, isto requer uma coragem política significativa e uma vontade de confrontar as indústrias mais poderosas que beneficiam do status quo. Infelizmente, este processo não tem estado isento de conflitos de interesses. Reuniões repletas de representantes das maiores multinacionais, que fazem lobby e chegam mesmo a assediar e intimidar cientistas e membros da sociedade civil, tudo com o intuito de manter o status quo. Ao mesmo tempo, delegados de países produtores e extratores de petroquímicos (a base do plástico) têm deliberadamente desperdiçado tempo durante as negociações e estão a diluir a ambição original — e muito necessária — do futuro Tratado.
As soluções reais vão além da proibição de palhinhas de plástico ou da promoção de programas de reciclagem. Exigem o estabelecimento de metas de redução da produção vinculativas a nível global, o reforço dos quadros legislativos, a promoção e o apoio à investigação e à inovação para uma economia circular que vá além da mera utilização e reciclagem, o aumento dos investimentos financeiros, a promoção da sensibilização e do envolvimento do público, a exigência de responsabilidade corporativa e a promoção da cooperação internacional.
Abordar a poluição por plásticos desafia o sistema tal como o conhecemos e exige uma redefinição urgente de progresso, da prosperidade e de bem-estar, estabelecendo limites para as utilizações verdadeiramente necessárias do plástico, com foco na sustentabilidade a longo prazo. Desafiar a “necessidade” de crescimento contínuo e exponencial requer uma mudança sistémica que promova uma redução no consumo e na produção, particularmente em nações ricas, e enfatize o verdadeiro bem-estar e a saúde ambiental em detrimento da acumulação material.
Este Tratado tem o potencial de iniciar uma demanda global por uma mudança fundamental na forma como pensamos sobre a nossa economia e sobre a nossa relação efetiva com a natureza. Devemos avançar para uma mudança de sistema que priorize a sustentabilidade, a justiça social e a saúde planetária em detrimento do lucro e do crescimento.
As escolhas que fazemos hoje determinarão o mundo que deixaremos para as gerações futuras. O tempo das meias medidas acabou. É hora de desmantelar as estruturas que perpetuam a poluição por plásticos e construir uma nova economia que valorize a sustentabilidade, a justiça e o verdadeiro bem-estar. É hora de parar, desacelerar, repensar, fazer as contas e criar modelos adequados para uma prosperidade verdadeiramente sustentável, baseada no localismo e na inovação que respeite os limites do planeta. É hora de exigir que as empresas, sob a liderança dos governos, assumam a responsabilidade pelos danos estruturais e ambientais que nos causaram a nós e ao nosso planeta. É definitivamente hora de nos libertarmos do plástico.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
#Plástico #chassis #capitalismo #urgência #uma #mudança #sistema #Opinião