Estamos em ano de eleições autárquicas, e o que é que isso significa? Que estamos na altura dos outdoors, dos jargões de campanha, das arruadas e dos compromissos de “proximidade” e os planos ambiciosos para transformar o território. Ouviremos, uma vez mais, falar de mais habitação, de “requalificações”, de transportes públicos mais eficientes, de sustentabilidade. Tudo muito bonito no papel. Mas continua a existir uma ausência gritante neste debate: afinal de contas onde estão os dados e porque não os utilizamos em prol do cidadão, do munícipe, do freguês?
Sim, dados. A recolha, análise e estudo da informação produzida pelas entidades públicas devia ser o ponto de partida de qualquer decisão política. Mas, em Portugal, continua a ser tratada como um acessório. E, pior, ao nível autárquico, esta falha é ainda mais visível e, diga-se, cada vez mais preocupante.
As autarquias são, em muitos casos, o nível de governação mais próximo das populações, são quem ouve, com maior proximidade os cidadãos – muitos deles, nos municípios mais pequenos, encontramos na fila da padaria, tratamos pelo nome próprio e até pela profissão.
São as autarquias quem lida com os problemas reais da população: do emprego (ou, muitas vezes, falta dele) ao ambiente, da mobilidade ao acesso à saúde, dos passeios danificados aos caixotes do lixo virados, da falta de espaços verdes à pressão imobiliária. Ora, como é possível planear respostas eficazes sem um conhecimento profundo da realidade local? Sem dados fiáveis sobre a economia do território, os fluxos de mobilidade, o envelhecimento populacional, os riscos ambientais?
Portugal dispõe de um vasto conjunto de entidades que produzem informação pública: o INE, o IMT, a APA, a DGT, entre outras. A informação existe – o problema, muitas vezes, é que não está a ser utilizada como deveria ser. Falta capacidade técnica em muitos municípios, falta cultura de análise e falta, acima de tudo, vontade política de governar com base em evidência.
Opta-se, demasiadas vezes, por decisões baseadas em perceções, conveniências ou, essencialmente, ciclos eleitorais, uma vez que os mandatos têm de ser renovados de quatro em quatro anos. Assim vão a maioria das autarquias em Portugal, focadas nos quatro anos seguintes ao invés de responder à realidade concreta.
Se falamos de coesão territorial, falamos de justiça: na distribuição de recursos, no acesso a serviços, na qualidade de vida. Mas como promover essa justiça se não conhecemos as desigualdades reais entre territórios? Se não conseguimos identificar os padrões de exclusão, as lacunas no investimento público, os desequilíbrios demográficos?
A verdade é que sem dados não há política eficaz. E sem análise, os dados não servem para nada. As autarquias precisam, urgentemente, de integrar estruturas de planeamento com competências técnicas, capazes de trabalhar estes dados e traduzi-los em propostas concretas. Políticas públicas que façam sentido — não só em Lisboa ou no Porto, mas no Sabugal ou em Silves.
Neste contexto eleitoral, seria bom que os candidatos assumissem compromissos claros sobre esta matéria. Não basta prometer mais obras, mais apoios, mais eventos. É preciso garantir que as decisões que moldam o futuro dos territórios sejam tomadas com base em conhecimento — não em intuições.
A coesão territorial não se constrói com frases feitas. Constrói-se com análise, com estratégia, com decisões bem informadas. Com compromissos claros e, sobretudo, com a coragem de reconhecer que só com inteligência política é possível combater décadas de desigualdade e criar um país verdadeiramente equilibrado. Porque só assim podemos aspirar a um país mais equilibrado, onde viver em qualquer concelho seja uma escolha e não uma limitação.
#Políticas #às #cegas #preço #governar #sem #dados #Megafone