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Ao anunciar o pacote anti-imigração, em 24 de junho deste ano, que acabou vetado pelo Tribunal Constitucional, o governo português afirmou que um grupo de imigrantes ficaria livre das restrições para entrar no país: os profissionais altamente qualificados, que manteriam o direito ao visto de procura de trabalho e ao reagrupamento familiar. Só que o processo de renovação dos títulos de residência daqueles que já estão estão em território luso não anda. No Portal de Renovações da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), os processos são dados como inexistentes.
Não há informações precisas sobre o número de imigrantes atingidos pelas falhas da AIMA. Mas, apenas no grupo de um aplicativo de mensagens criado pelo especialista em tecnologia da informação brasileiro Celso Machado, 33 anos, são 150 pessoas. Outro grupo em russo, em outro aplicativo, junta 70 trabalhadores. “Isso sem contar os outros imigrantes, como ingleses e americanos”, diz ele.
Mineiro de Contagem, Machado chegou a Portugal para trabalhar em 2023, e escolheu viver em Leiria. “Cheguei ao país com contrato de trabalho, agendamento marcado no antigo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para 26 de março. Dois meses depois, chegou meu cartão com a autorização de residência”, conta.
Problemas em série
Em julho deste ano, quando o Portal de Renovações da AIMA foi criado, Machado esperou receber um e-mail para iniciar o processo de troca da residência caducada. Como esse comunicado não chegava, ele foi ao site da agência, na página indicada para quem não foi notificado. “Inicialmente, aparecia a mensagem ‘Acesso a esse processo de renovação do título de residência já foi ativado. Não é possível alterar dados’. Depois, a mensagem mudou e, em vez de ‘não é possível alterar dados’, aparecia ‘ou título inexistente’”, relata.
Machado experimentou colocar no portal números aleatórios de títulos de residência e tinha como resposta a mesma mensagem de erro. “Isso significava que o processo não estava lá”, conclui o especialista em tecnologias da informação.
Acreditando que não era o único com esse problema, resolveu criar o grupo. “Divulguei o grupo em redes sociais e apareceram mais de 100 pessoas na mesma situação”, revela Machado, que atravessou o Atlântico com a esposa para cumprir o sonho de morar em Portugal.
Ao colocarem seus dados no portal da AIMA, imigrantes com as autorizações de residência vencidas recebem a resposta acima
Arquivo pessoal
Nas conversas do grupo, a conclusão a que ele e mais especialistas em tecnologia de informação chegaram é que o problema ocorreu na migração da base de dados do Instituto de Registros e do Notariado (IRN) para a estrutura de missão da AIMA. “Algo deu errado nessa mudança”, avalia Machado. Desde julho, a renovação dos títulos de residência passou do IRN para a AIMA e a responsabilidade foi atribuída à estrutura de missão.
Erro do SEF
Na mesma situação está a advogada pernambucana CL, de 27 anos, que prefere manter o nome sob sigilo temendo represálias. “Vim para Portugal em 2022 para fazer mestrado em direito na Universidade de Lisboa. Estava com visto de estudante”, frisa.
À época, ela conseguiu o agendamento no SEF e, dois meses depois, tinha em mãos a autorização de residência. “Só que, no cartão, estavam faltando dados. Não colocaram meu número de utente nem o NISS. Voltei lá para fazerem um novo e, em vez de cartão de estudante, me deram um cartão de residência normal”, recorda.
Trabalhando atualmente em uma empresa que trata de imigração para investimentos, enquanto conclui os estudos, CL está há seis meses tentando renovar a autorização de residência. “Desde fevereiro, tento entrar em contato com a AIMA, mas não tenho respostas. Agora, quando acesso o portal, a resposta é ‘processo ativado ou inexistente’. Eu estudo, trabalho, contribuo para a Segurança Social e não consigo resolver minha situação. Teoricamente, renovar um visto de estudante é fácil”, reclama.
Ela explica a escolha de Portugal para fazer o mestrado. “Primeiro, pela semelhança jurídica com o Brasil. Depois, porque ainda havia o acordo de reciprocidade que me permitiria tirar a carteira da Ordem dos Advogados Portugueses. Agora, o acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi revogado”, assinala.
LC estabeleceu um prazo para tomar a decisão se fica em Portugal ou vai embora. “Com toda esta situação, estou me questionando se vale a pena ficar no país. Tenho até julho do ano que vem para decidir, que é quando termino meu mestrado. Mas uma coisa é certa: não pretendo ficar irregular em nenhum país”, sentencia.
Sem resposta
Morando em Lagos, no Algarve, a israelense Irina Zubkova, 50, optou por Portugal há dois anos. “Vim visitar o país em 2021 com meu marido e minha filha, e decidimos que viveríamos aqui. Não éramos felizes em Israel”, ressalta a especialista em tecnologias de informação.
Irina Zubkova, que deixou Israel para viver no Algarve, está com título de residência vencido
Arquivo pessoal
Em 2023, Irina conseguiu que a empresa norte-americana para a qual trabalha aceitasse a realocação dela para Portugal, onde atua remotamente. “Meu marido tem nacionalidade portuguesa como judeu sefardita e trabalha em renovações de casas e minha filha está matriculada em uma escola. Estamos completamente adaptados à vida em Portugal, não queremos ir para outros países. Minha filha quer estudar na Universidade de Coimbra”, relata.
O problema é que Irina não consegue a renovação de sua autorização de residência. A resposta no site da AIMA é a mesma recebida por Machado e LC. “Estive na AIMA em março, e meus dados estavam nos arquivos herdados do SEF. Agora, na estrutura de missão, não estou na base de dados do sistema”, afirma.
Por meio das redes sociais, ela conseguiu localizar o responsável pela área de informática da AIMA, a fim de alertá-lo sobre os erros que poderiam ser corrigidos. “Enviei mensagem relatando o problema, mas não tive resposta”, diz. A partir dos seus conhecimentos em tecnologia, Irina avalia que os dados foram perdidos na migração do IRN para a estrutura de missão da AIMA.
Perda do emprego
Como consequência de estar sem o título de residência, Irina pode até perder o emprego. “A empresa já afirmou que não pode me manter em situação irregular em Portugal”, conta. Por enquanto, ela está suportada por um decreto do governo que valida dos títulos de residência caducados até 15 de outubro.
Com ironia, Irina afirma que a AIMA não soube reagir quando foi questionada sobre o problema dos processos de títulos de residência que não estão no sistema. “Se dissessem que sabem do problema e estão tentando resolver, que precisam mais tempo, acho que não ficaríamos tão preocupados. Em Portugal, aprendemos a esperar”, comenta.
Questionada pelo PÚBLICO Brasil sobre o número de processos de profissionais altamente qualificados que estão com problemas, quais os motivos para eles não conseguirem acessar o Portal da Renovação e o que está sendo feito para resolver essas situações, a AIMA não respondeu.
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