Nos últimos anos, os cientistas têm feito progressos na descoberta de ADN antigo em fósseis, obtendo informações sobre organismos que viveram há muito tempo. Mas o ADN mais antigo obtido até à data remonta a cerca de dois milhões de anos. As proteínas, a maquinaria molecular de uma célula, também oferecem informações valiosas e têm a virtude de sobreviver durante muito mais tempo, como mostra uma investigação recente.
Duas equipas de investigadores encontraram fragmentos de proteínas em fósseis de mamíferos descobertos em ambientes muito diferentes – o gélido Alto Árctico do Canadá e um vale escaldante no Quénia.
“Em conjunto, estes projectos complementares demonstram que as proteínas – blocos de construção fundamentais dos organismos vivos que preservam a informação sobre a história evolutiva – podem ser encontradas em fósseis antigos de todo o mundo”, explica Daniel Green, biólogo evolutivo da Universidade de Harvard (EUA) e principal autor do estudo sobre os fósseis do Quénia publicado na revista Nature.
Algo que abre caminho para sondar o passado evolutivo longínquo, incluindo da linhagem humana e talvez até dos dinossauros.
“As proteínas antigas podem dar-nos informações sobre a história evolutiva de um organismo, fornecendo dados moleculares de espécimes demasiado antigos para que haja preservação do ADN. Isto permite aos investigadores clarificar as relações evolutivas ao longo da árvore da vida, mesmo no caso de espécies que se extinguiram há milhões de anos”, destaca Ryan Sinclair Paterson, investigador de pós-doutoramento no Instituto Globe da Universidade de Copenhaga (Dinamarca) e principal autor do estudo sobre o fóssil do Canadá também publicado na revista Nature.
Mais resistentes
Tanto o ADN como as proteínas são frágeis e degradam-se com o tempo, mas as proteínas são mais resistentes. O ADN mais antigo conhecido é o de organismos que viveram na Gronelândia há dois milhões de anos. Até agora, as proteínas mais antigas conservadas suficientemente bem para permitir conhecer quaisquer relações evolutivas tinham cerca de quatro milhões de anos, provenientes do Árctico canadiano.
Os novos estudos fazem, portanto, recuar em milhões de anos os limites da investigação sobre proteínas antigas, um domínio designado por paleoproteómica.
No que diz respeito à região de Turkana, no Quénia, “um dos locais mais quentes da Terra”, segundo os investigadores, as proteínas foram obtidas a partir de dentes de cinco espécies de rinocerontes, elefantes e hipopótamos que viveram entre há 1,5 e 18 milhões de anos, tendo as proteínas mostrado as ligações entre os animais antigos e os seus parentes actuais.
No Canadá, a outra equipa extraiu proteínas de um fragmento de dente de um rinoceronte extinto, descoberto num local chamado cratera de Haughton, em Nunavut, com cerca de 24 milhões de anos, que mostraram como esta espécie se enquadrava na árvore genealógica dos rinocerontes.
As condições frias e secas da cratera de Haughton eram consideradas ideais para a conservação de proteínas. Já a conservação no clima quente de Turkana foi mais inesperada.
O ADN e as proteínas, moléculas fundamentais em biologia, possuem estruturas e funções distintas. O ácido desoxirribonucleico é a matriz da vida, contendo instruções para o desenvolvimento, crescimento e reprodução de um organismo. As proteínas desempenham inúmeras funções com base nas instruções do ADN.
“As proteínas são codificadas pelo nosso código genético, o ADN, pelo que as sequências proteicas revelam informações sobre o parentesco entre diferentes indivíduos e o sexo biológico, entre outras coisas”, frisa Green.
No caso do rinoceronte extinto do Canadá, os cientistas extraíram péptidos – cadeias de compostos orgânicos chamados aminoácidos que se combinam para formar proteínas – encontrados no interior do esmalte do dente do animal.
“Algumas proteínas ajudam a construir os dentes, as estruturas mais duras e duradouras do corpo dos animais”, acrescenta Green. “O esmalte é maioritariamente rocha: um mineral chamado hidroxiapatite. Mas a sua formação é mediada biologicamente por proteínas que orientam a sua forma e dureza ao longo do tempo. Uma vez que estas proteínas ficam enterradas nas profundezas do mineral do esmalte, temos algumas razões para esperar que os fragmentos de proteínas possam ser preservados ao longo de muitos milhões de anos.”
O Homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos. Proteínas antigas já foram encontradas nos dentes de algumas espécies extintas da linhagem evolutiva humana, os chamados hominíneos. Por exemplo, a região de Turkana revelou importantes fósseis de hominíneos.
” Os hominíneos têm origens evolutivas e/ou diversificação na área de onde provêm as nossas amostras, pelo que os nossos resultados são promissores para a exploração futura do proteoma do esmalte (conjunto de proteínas) dos nossos antepassados evolutivos da Bacia de Turkana, no Quénia”, garante o co-autor de um dos estudos Timothy Cleland, do Instituto de Conservação do Museu Smithsonian, em Maryland (EUA).
As proteínas estudadas provêm de espécies de grande porte que datam da era dos mamíferos, que se seguiu ao desaparecimento dos dinossauros que tinham dominado a era mesozóica anterior, que terminou há 66 milhões de anos.
Segundo Green, na nova investigação, o número de proteínas detectáveis foi diminuindo progressivamente nos fósseis mais antigos. Mas o biólogo evolutivo não exclui a possibilidade de encontrar proteínas que datem da era dos dinossauros: “Métodos mais recentes e melhores para extrair e detectar proteínas antigas poderão, talvez, fazer chegar a paleoproteómica ao Mesozóico”.
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