Sem deixar de enaltecer o excelente trabalho feito pela REN em restabelecer a rede eléctrica em Portugal em menos de 24 horas, na sequência do apagão de 28 de Abril, tenho como objectivo fazer uma reflexão sobre como podemos melhorar o planeamento e operação da rede para minimizar o impacto deste tipo de situações no futuro. Seria possível termos isolado a rede portuguesa da espanhola no imediato, para evitar a propagação das falhas e conter a resolução do lado português apenas?
Do ponto de vista da rede portuguesa, o que aconteceu no dia 28 de Abril de 2025 foi uma diminuição quase instantânea de cerca de 30% da potência injectada na rede. Apenas certos tipos de centrais são capazes de aumentar a sua produção de forma controlada e rápida, como as centrais a gás ou hidroeléctricas de albufeira. Seria apenas possível reagir à perda de potência vinda de Espanha, se houvesse já uma base activa de produção vinda de este tipo de centrais, pois estas têm um tempo de arranque e também um tempo de reacção. Em Portugal, temos neste momento 5763 MW de potência instalada em centrais a gás. Se estas estivessem ligadas em mínimos para manter os queimadores em funcionamento, teríamos capacidade suficiente para cobrir os 2765 MW que se perderam. Em alternativa, poderíamos também dotar a rede de bancos de baterias ou volantes de inércia que são capazes de ter um tempo de reacção mais rápido e que aguentassem a rede enquanto se colocaria em funcionamento outro tipo de centrais de backup.
A outra forma de voltar a atingir o equilíbrio energético seria desligar consumos até voltar a atingir um novo equilíbrio. A nossa rede precisaria de ter um sistema de monitorização e actuação em tempo real, capaz de realizar de forma automática um deslastre de cargas, e que tivesse já conhecimento de quais as cargas que deve cortar em primeiro lugar e algoritmos modernos capazes de decidir qual a melhor forma de minimizar a disrupção da rede com base na informação disponível. Este sistema poderia dar prioridade a hospitais e outros sistemas críticos, evitando assim o blackout geral e evitando a necessidade do “black start”.
Relativamente ao desafio de “desligar” a rede portuguesa da espanhola, gostava também de mencionar as ligações de corrente contínua de alta tensão (HVDC). Estas não têm o problema de sincronizar a frequência e a fase da onda entre os dois lados da rede, permitindo também controlar o fluxo de potência de uma forma mais regulada e como tal formar “ilhas eléctricas” com mais facilidade, evitando assim a propagação de falhas como saída de serviço de uma linha de muito alta tensão ou uma queda da frequência da rede. No fundo, podem funcionar como uma “firewall” entre duas partes da rede eléctrica AC tradicional. Existem na Europa vários exemplos de ligação entre países através de ligações HVDC como o NorNed entre a Noruega e a Holanda, o INELFE entre França e Espanha ou o NordLink entre a Noruega e a Alemanha.
De forma a garantir a dinâmica e estabilidade da nossa rede eléctrica, parece-me importante garantir uma base da produção de fontes firmes capazes de aumentar ou diminuir a produção conforme desejado. Em relação às renováveis, é preferível usar parte da energia para bombear água de jusante para montante do que operar a rede a mais de 70% directamente a partir de fontes renováveis intermitentes, visto que estas podem sofrer alterações abruptas e criar instabilidade na rede.
Por último, é importante sermos capazes de desligar da rede espanhola, se necessário, e dotar a rede portuguesa de bancos de baterias que possam suprir variações de produção ou consumo de forma mais instantânea.
E a resposta é sim, é possível pensar na nossa rede eléctrica de forma autónoma e garantir a sua estabilidade dinâmica perante incidentes ou mesmo mediante um possível blackout dos nossos vizinhos espanhóis.
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