Em menos de três horas, o novo episódio de crise política ficou, aparentemente, resolvido. Pelo menos, por agora. Às 20h, o primeiro-ministro anunciou que apresentaria uma moção de confiança se a oposição, sobretudo o PS, não se der por satisfeita com todos os esclarecimentos que considera ter dado sobre a empresa da sua família – a Spinumviva, que criou em 2021 e continua em atividade -, mas a sucessão de posições dos partidos, com o PCP a anunciar uma moção de censura e o PS a dizer que a rejeita, levou o Governo a recuar.
“O chumbo de duas moções de censura significa que o Parlamento entende que o Governo pode continuar a governar e, nesse sentido, não há uma necessidade ou uma justificação para uma moção de confiança“, admitiu o ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na RTP, lembrando que, há uma semana, o Parlamento rejeitou a moção de censura apresentada pelo Chega. Foi um dos vários ministros que, depois da comunicação de Montenegro, se dividiram pelos canais televisivos em defesa do primeiro-ministro e em ataques ao PS.
“A situação política tem de ser clarificada sem manobras táticas e palacianas“, tinha dito o primeiro-ministro na sua comunicação feita com o Governo em fundo e sem direito a perguntas e na qual, sem dar mais explicações, anunciou que a empresa passa totalmente para os filhos. Tirando a mulher da empresa, deixa de ser co-proprietário. “Não pratiquei nenhum crime, nem tive nenhuma falha ética”, garantiu, numa declaração em que transformou a sua situação pessoal, profissional e política numa prova de vida ao seu Governo.
TIAGO MIRANDA
Crise política
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“Insto daqui os partidos políticos, representados na Assembleia da República, a declarar sem tibiezas se consideram, depois de tudo o que já foi dito e conhecido, que o Governo dispõe de condições para continuar a executar o programa do Governo, como resultou há uma semana da votação da moção de censura. Sem essa resposta, a clarificação política exigirá uma resposta no Parlamento, o que por iniciativa do Governo só pode acontecer com a apresentação de uma moção de confiança.”, afirmou Montenegro depois de reunir com o seu núcleo duro de aconselhamento político – que incluiu vários ministros e Hugo Soares, líder parlamentar e secretário-geral do PSD, e Leonor Beleza, vice-presidente do partido – e de ter feito um Conselho de Ministros extraordinários, cuja reunião durou apenas cerca de meia-hora.
Pouco depois de Montenegro falar, começaram a suceder-se as reações dos partidos. Primeiro, André Ventura, que avisou logo que o Chega votaria contra uma moção de confiança. “José Sócrates não faria muito diferente do que fez hoje Luís Montenegro e isso é uma desilusão”, atacou Ventura, para quem a declaração feita em São Bento foi uma “fuga para a frente” e um “ato de desespero” de Montenegro: “O Chega não pode confiar num primeiro-ministro assim.“
Depois, Rui Tavares. “Não temos confiança institucional ou política neste primeiro-ministro para resolver os seus conflitos de interesse”, anunciou o dirigente do Livre, que considerou “dúbia” a comunicação do primeiro-ministro. “Nenhum dos passos que poderia ter dado para sanar o conflito de interesses foi dado”, lamentou Tavares, que remeteu uma resolução para Marcelo: “O Livre apela ao Presidente da República para que diga se isto é o normal funcionamento das instituições.“
O “isco” que o PCP mordeu e o PS não aprova
Ao terceiro partido a reagir, começou a desenhar-se a solução para a crise política que o primeiro-ministro tinha dito que devia ser evitada, mas poderia ser inevitável. “Este Governo e a sua politica não merecem confiança, merecem sim censura e condenação. Uma censura às práticas, factos e acontecimentos que envolvem o Governo, mas sobretudo uma moção de censura a uma política de baixos salários e pensões, de ataques a direitos, de degradação dos serviços públicos, desinvestimento público, limitação ao aparelho produtivo, promoção da especulação imobiliária, privatizações e défice produtivo“, anunciou o líder comunista, Paulo Raimundo, prometendo para os “próximos dias” a apresentação de uma moção de censura.
A solução estava, como num caso de moção de confiança, nas mãos do PS, ainda que tenham requisitos diferentes para serem aprovadas. Logo na noite eleitoral de 10 de março, Pedro Nuno Santos avisou Luís Montenegro que não diria promover moções de censura, mas que também não o provocasse com uma moção de confiança. E agora repetiu o principio. “Se o primeiro-ministro e o seu Governo apresentarem uma moção de confiança no Parlamento, o PS chumbará essa moção de confiança”, clarificou Pedro Nuno, lamentando que o PCP tenha “mordido o isco” lançado pelo Governo e esclarecendo logo que também não irá viabilizar a moção de censura.
“O PS não quer instabilidade, o PS quer esclarecimentos“, pediu o líder socialista, para quem o primeiro-ministro “não respeita as mais elementares regras democráticas” e aposta em “jogos políticos” e numa atitude prepotente. “A transmissão da quota aos seus filhos não resolve o problema como não tinha resolvido a transmissão da quota à esposa”, continuou o secretário-geral socialista que acusou mesmo o primeiro-ministro de que não tem estado em exclusividade no desempenho das funções.
“Quebrou-se a relação de confiança com o povo português“, afirmou ainda Pedro Nuno Santos, acusando Montenegro de não ter coragem para assumir as consequências deste caso. “Não transmita para o Parlamento uma decisão que é só sua.” Mariana Mortágua acusaria mesmo o primeiro-ministro de chantagem sobre os deputados: “Não temos confiança num primeiro-ministro que acha que pode chantagear a Assembleia da República” e que “foge aos deveres e responsabilidades”.
Perante isto, diria pouco depois o ministro Miranda Sarmento, “não há uma justificação para moção de confiança”. Isto porque, diz, o Governo responde perante o Parlamento e as moções de censura e de confiança têm valor constitucional equivalente. A Iniciativa Liberal, pelo menos discorda. Para Rui Rocha não será a moção de censura do PCP a permitir a “clarificação” necessária: “O PCP apresentou uma moção de censura, o que a meu ver não inibe a apresentação de uma moção de confiança.”
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