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Uma proposta indigna de um grande país | Opinião

A 1 de Julho de 2025, seis membros do grupo parlamentar do Chega apresentaram uma iniciativa (Projecto de Resolução n.º 123/XVII/1.ª) recomendando ao Governo o reconhecimento do Sara Ocidental como território sob soberania marroquina. Embora a resolução não seja vinculativa, devemos, no entanto, salientar a sua extrema gravidade. Trata-se de uma proposta baseada em falsas alegações, que visa forçar o Governo a cometer uma grave ilegalidade e que desonra a imagem externa de Portugal.

O projecto de resolução, na sua exposição de motivos, contém várias alegações factualmente falsas. Desde o início que afirma que Madrid abandonou o território em 1975, mas abandonou-o a 26 de Fevereiro de 1976. Assume que o número de “centenas de milhares” de participantes da “marcha verde” é verdadeiro, um número que não é corroborado por qualquer evidência gráfica. Afirma que os Estados Unidos abriram um consulado em Dakhla (antiga Villa Cisneros), algo que é objectivamente falso. Por fim, faz uma afirmação igualmente falsa ao afirmar que “o Reino de Espanha, tendo terminado a sua política tradicional, começou também a entender o Sara como um território marroquino”. O Reino de Espanha, através do seu presidente, e em violação da Constituição, que reserva esse poder ao Governo, e não ao seu presidente, manifestou o seu apoio ao plano marroquino de suposta “autonomia” para o território, mas verifica-se que, perante as Nações Unidas, continuou a apoiar uma solução baseada no direito internacional, ou seja, na autodeterminação. Isto foi feito tanto a 23 de Setembro de 2022 como a 21 de Setembro de 2021, ou seja, após a “declaração conjunta” assinada com o rei de Marrocos a 7 de Abril de 2022.

E se a exposição de motivos assenta numa série de declarações objectivamente falsas, o que o projecto de resolução defende é contrário quer ao direito português, quer ao direito internacional. A proposta induz o Governo a violar os artigos 7.º e 8.º da Constituição Portuguesa. O artigo 7.º, n.º 1, refere que “Portugal rege as relações internacionais pelos princípios (…) do respeito pelos direitos do homem e dos povos”, e o artigo 8.º, n.º 1, refere que “As normas e os princípios do direito internacional geral ou comum são parte integrante do direito português”.

A Constituição portuguesa refere-se, portanto, ao direito internacional, e este direito não podia ser mais claro. A Grande Secção do Tribunal de Justiça da União Europeia, organização de que Portugal é membro, proferiu três acórdãos a 4 de Outubro de 2024, lembrando que o princípio da autodeterminação é uma norma peremptória do direito internacional e que o povo do Sara Ocidental tem esse direito à autodeterminação reconhecido por resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como pelo Tribunal Internacional de Justiça. Consequentemente, anulou os acordos da UE com Marrocos que incluíam o Sara Ocidental como parte de Marrocos. Estes acórdãos são executórios e directamente aplicáveis em todos os países da UE (artigo 280.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE).

O projecto de resolução refere que a posição portuguesa, actualmente em conformidade com o direito internacional, é um “anacronismo sem sentido” e afirma que “o processo de normalização internacional do estatuto do Sara como parte do Reino de Marrocos já começou e é irreversível”. Nada poderia estar mais longe da verdade. O parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça, de 19 de Julho de 2024, estabeleceu expressamente que a autodeterminação é uma norma peremptória do direito internacional. Uma vez que o povo do Sara Ocidental foi reconhecido, por outro parecer consultivo do mesmo tribunal, de 16 de Outubro de 1975, como tendo direito à autodeterminação, mesmo um “processo de normalização internacional do estatuto do Sara como parte do Reino de Marrocos” nunca poderá ser iniciado sem que o povo do Sara Ocidental o tenha aceitado, o que claramente não fez e fará quando expressar a sua opinião em referendo. Portanto, algo que não começou nem pode começar dificilmente pode ser “irreversível”. Uma ocupação nunca pode ser normalizada.

O projecto de resolução acaba por causar imensos danos à imagem de Portugal por várias razões.

Em primeiro lugar, este projecto de resolução, que apela à violação do direito da ONU e da UE, coloca António Guterres, secretário-geral da ONU, e António Costa, presidente do Conselho Europeu, numa posição muito comprometedora. Não parece digno do prestígio da diplomacia portuguesa que o seu Governo possa violar o direito aprovado por organizações internacionais em que Portugal ocupa cargos tão importantes. Se não se trata de falta de jeito, poderíamos pensar que se trata de uma tentativa desonesta de desacreditar os dois portugueses que ocupam actualmente dois dos mais importantes cargos diplomáticos do mundo.

Em segundo lugar, não creio que seja benéfico para a imagem de Portugal nem para a credibilidade da sua diplomacia se, depois de ter apoiado o respeito pelo direito internacional no caso de Timor-Leste, vier apoiar agora a violação desse mesmo direito no Sara Ocidental.

Mas há algo ainda mais grave. Este projecto de resolução não só corrói gravemente a diplomacia portuguesa, da qual todos os portugueses se orgulham, com razão, como oferece a pior imagem de todo o país. A exposição de motivos recorda que o regime de Rabat preferiu que as vítimas do terramoto morressem a aceitar ajuda de países que não apoiavam a sua reivindicação do Sara Ocidental. Mas se isto diz muito pouco sobre Rabat, diz ainda menos sobre quem considera justificado rejeitar a sua ajuda humanitária com um argumento tão vil.

“Marrocos é um amigo histórico e indispensável”, afirma o projecto de resolução. Não sei o que diria El-Rei Dom Sebastião.

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